Fiesp financia a bancada ruralista desde 2019

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Articuladora histórica do agronegócio, Fiesp foi determinante no impeachment e na eleição de Bolsonaro. (Foto: Ayrton Vignola/Fiesp)

Peso dos industriais paulistas na Frente Parlamentar da Agropecuária mostra que cadeia de financiamento do lobby em Brasília vai muito além da soja e do boi; federação é uma das 48 organizações que bancam o Instituto Pensar Agro, fiador da bancada e da boiada

Por Bruno Stankevicius Bassi e Leonardo Fuhrmann

Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp homenageia a então ministra Tereza Cristina. (Foto: Divulgação/Fiesp)

O lobby do agronegócio se concentra entre a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios e as mansões do Lago Sul, área nobre de Brasília, onde ficam as sedes sociais da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e do Instituto Pensar Agro (IPA) — que formula as pautas legislativas e define o posicionamento político da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Mas a esfera de influência ruralista não se restringe apenas à capital federal. A mil quilômetros dali, no coração da Avenida Paulista, o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) abriga um dos principais espaços de articulação do setor agropecuário. Uma posição que foi, em grande parte, fortalecida com a adesão dos industriais paulistas ao IPA, ainda em 2019.

Entre homenagens à então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ex-presidente da FPA, e o apoio às políticas agrárias do governo de Jair Bolsonaro, a Fiesp recebeu, no dia 24 de maio, a primeira “assembleia itinerante” do IPA, conforme divulgou o presidente do instituto, o ex-deputado Nilson Leitão. Reunindo representantes das 48 associações que integram o Pensar Agro, o encontro foi o primeiro realizado fora da tradicional mansão ruralista, no Lago Sul de Brasília. O evento contou ainda com a presença do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que já havia visitado a federação em novembro para prestar contas da participação brasileira na 26ª Conferência do Clima (COP-26).

EXECUTIVOS SE DIVIDEM ENTRE FIESP E IPA

Dossiê mostra participação de gigantes da cana em lobby ruralista.

A integração entre os blocos de São Paulo e de Brasília também se dá a partir de seus executivos. Dos onze diretores do IPA, sete atuam também no Conselho Superior do Agronegócio (Cosag), órgão colegiado fundado pela Fiesp ainda nos anos 2000. Dentre eles, destacam-se dois líderes do setor sucroalcooleiro: Eduardo Leão de Sousa, diretor executivo da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica) e vice-presidente do IPA desde 2017; e Ismael Perina Junior, ex-presidente da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana).

Da mesma forma, entre os líderes da Fiesp estão alguns dos principais empresários da cana de açúcar. Além do vice-presidente Marcelo Ometto — dono da Cosan, a maior produtora de açúcar e etanol do mundo —, a diretoria conta com Jacyr Costa Filho, ex-presidente do grupo Tereos e atualmente à frente do Cosag. Dona da marca de açúcar Guarani, a multinacional francesa atua em duas entidades mantenedoras do IPA, conforme aponta o relatório lançado em julho por este observatório: “Os Financiadores da Boiada: como as multinacionais do agronegócio sustentam a bancada ruralista e patrocinam o desmonte socioambiental“.

A Tereos é filiada à Unica, onde integra o conselho diretivo, e à Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), onde Jacyr presidiu, entre 2012 e 2020, o Comitê de Bioenergia. Ele também é sócio na Agroadvice, uma consultoria para produtores rurais associada à Abag.

Além do Cosag, a Fiesp possui o Departamento do Agronegócio (Deagro), órgão criado em 2007 com o propósito de integrar a cadeia produtiva do setor agropecuário. O atual diretor do Deagro é Roberto Ignacio Betancourt, ex-presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações), uma das organizações fundadoras do Instituto Pensar Agro.

Colega de Betancourt no Deagro, Christian Lohbauer é presidente da CropLife Brasil, organização que reúne os gigantes dos agrotóxicos no país. A Fiesp mantém uma parceria com ela para a publicação do Índice de Confiança do Agro (ICAgro), que mede trimestralmente o grau de confiança de empresários de insumos, produtores rurais e industriais relacionados ao setor. Lohbauer está à frente da diretoria de insumos do departamento.

A CropLife também é uma das 48 organizações que financiam o Instituto Pensar Agro. E, portanto, a Frente Parlamentar da Agropecuária — e a boiada.

RENOVABIO REAPROXIMOU FIESP DE NÚCLEO RURALISTA

Fundado em 2006, o Cosag foi, durante quase uma década, o principal centro de difusão de narrativas e da propaganda pró-agronegócio. Em 2011, o conselho lançou o Movimento Sou Agro, um dos precursores da campanha “Agro é Pop”, da Rede Globo. A iniciativa liderada pela Fiesp pregava a valorização do agronegócio brasileiro por meio de anúncios estrelados pelos atores globais Lima Duarte e Giovanna Antonelli.

As peças de comunicação eram financiadas por multinacionais como Cargill, Bunge e Monsanto (depois absorvida pela Bayer) e teve apoio institucional de Abag, Aprosoja, Sindirações e da Organização das Cooperativas Brasileira (OCB), quatro das organizações que fundariam, naquele mesmo ano, o Instituto Pensar Agro.

Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp, e Jacyr Costa Filho, diretor do Cosag. (Foto: Divulgação/Fiesp)

O surgimento do IPA foi um dos principais fatores que levou a Fiesp a perder espaço na condução do lobby ruralista. Com a ascensão de novos atores reunidos em torno do instituto, a atuação dos paulistas ficou cada vez mais restrita à defesa de usineiros do estado.

A reaproximação com o núcleo de Brasília ocorreu a partir de 2016. Fortalecida após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), a Fiesp passou a atuar em conjunto com parlamentares da FPA pela aprovação da nova Política Nacional de Biocombustíveis, que instituiu incentivo à produção de biocombustíveis através do pagamento de créditos de descarbonização (CBios). Conhecido como RenovaBio, o programa era alvo de disputas internas entre produtores de cana de açúcar e usineiros, que disputavam quem levaria a maior parcela nos créditos.

Em novembro daquele ano, o então presidente da Fiesp Paulo Skaf — atualmente candidato ao Senado pelo Republicanos-SP — pregou a união do setor. “Tudo aquilo que puder atrapalhar o agronegócio, temos que nos unir e tirar da frente”, defendeu o empresário, durante reunião do Cosag. Próximo de Skaf e do setor sucroalcooleiro, o então governador paulista Geraldo Alckmin também encampou a pauta: durante um encontro sobre o RenovaBio, realizado na sede do IPA em novembro de 2017, o ex-tucano se intitulou “soldado do agronegócio” ao defender os incentivos aplicados aos usineiros paulistas.

Pré-candidato à presidência em 2018, Alckmin chegou a receber um apoio tímido da Fiesp. Com a vitória de Bolsonaro, no entanto, o empresariado paulista embarcou de vez no governo do capitão. Em agosto de 2021, menos de um mês após os atos anti-democráticos do 07 de setembro, organizações do agronegócio lideradas pela Abag chamaram a Fiesp para assinar uma carta “pró-democracia“, condenando os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar de ter sinalizado positivamente, a federação declinou após receber pressões internas.

Em janeiro de 2022, após catorze anos à frente da organização, Skaf deixou a presidência, dando lugar a Josué Gomes da Silva, filho do vice-presidente de Lula, José Alencar, falecido em 2011. Gomes abriu novamente espaço para Alckmin, agora no PSB e candidato à vice na chapa do petista. Curiosamente, os dois foram recebidos na terça (9/8) na Fiesp, justamente para assinar uma “carta pró-democracia” lançada pela entidade, em tom parecido àquela declinada em 2021.

Graças à intervenção da Fiesp, o RenovaBio foi transformado em lei em 2017. Atualmente, a política encontra-se sob revisão na Câmara para incluir produtores de soja e óleo de palma como beneficiários de CBios.

CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS PASSA POR CONSELHOS E UNIVERSIDADES

A partir do Conselho Superior do Agronegócio e do Departamento do Agronegócio, a federação paulista vem reforçando a construção de narrativas em defesa dos interesses ruralistas. Um dos principais trabalhos realizados nesse campo foi o estudo “Amazônia: você precisa saber”. Publicado no site da Fiesp em cinco idiomas e com direito a vídeo institucional apresentado pelo então presidente Paulo Skaf, o projeto tenta desacreditar as preocupações internacionais com o desmatamento e as queimadas na região.

Um dos nomes centrais neste movimento é o de Roberto Rodrigues, decisivo para a popularização do termo “agronegócio” no Brasil. Ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) nos anos 1990, ele foi ministro da Agricultura durante o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e hoje coordena o Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (GVagro). Rodrigues foi o primeiro presidente e um dos fundadores do Cosag, sendo responsável por pilotar o Movimento Sou Agro.

Fundador do Cosag, Roberto Rodrigues articula o lobby do agronegócio na academia. (Foto: MM7 Palestras)

Segundo a pesquisadora Debora Franco Lerrer, professora associada do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), a entrada da indústria no lobby ruralista tem relação direta com a importação do conceito de agronegócio, criado nos Estados Unidos nos anos 70. “O Roberto Rodrigues começou a trabalhar com esse conceito nos anos 90, mas a ideia só ganha força no início dos anos 2000, com o boom das commodities e a nomeação dele para o cargo de ministro da Agricultura no governo Lula”, afirma.

O ex-ministro descende de uma família de fazendeiros e políticos. Seu pai, Antônio José Rodrigues Filho, foi prefeito de Guariba (SP) de 1952 a 1955 e, novamente, de 1964 a 1967, além de ocupar a Secretaria de Agricultura no governo de Ademar de Barros (1963-1966). Rodrigues cursou agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e, desde então, construiu uma carreira como empresário, político e acadêmico.

Antes do cargo na GVAgro, ele foi professor do Departamento de Economia Rural da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi fundador da Orplana, presidente da OCB e ocupou vice-presidências na Abag, na Sociedade Nacional de Agricultura e na Associação Comercial de São Paulo.

A participação no meio acadêmico é uma maneira importante de formar profissionais alinhados com os planos e interesses do agronegócio. Ex-presidente da Unica, Marcos Jank é professor sênior de agronegócio no Insper e coordenador do centro “Insper Agro Global”. Ele foi professor associado da USP, na Faculdade de Economia e Administração (FEA), no Instituto de Relações Internacionais (IRI) e na Esalq.

Lohbauer, da Croplife, também concilia suas atividades nas entidades de representação com a academia. Ele foi professor convidado da pós-graduação em negócios da Fundação Dom Cabral, em cursos de Relações Internacionais e Comércio Exterior na Universidade Mackenzie e de pós-graduação lato sensu em Negociações Internacionais do programa Santiago Dantas.

Foto principal (Reprodução): Fiesp foi ativa para derrubar Dilma Rousseff, em 2016, anos antes de passar a financiar a FPA

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

|| Leonardo Fuhrmann é repórter do observatório. ||

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