Disputas de terras na Bahia envolvem de juízes a políticos e provocam mortes no Cerrado e no litoral; em cinco anos, observatório apontou os interesses de clãs políticos, abordou questão indígena e esmiuçou esquema de grilagem revelado na Operação Faroeste
Por Nanci Pittelkow
No Cerrado, um fazendeiro é assassinado e vaqueiros tradicionais são ameaçados. No litoral, povos indígenas sofrem ameaças de despejo pela especulação imobiliária. Entre essas duas realidades, o deserto verde do eucalipto avança pelo sul do estado. Em cinco anos de atividade, De Olho nos Ruralistas aprofundou a cobertura de conflitos e deu nome aos latifundiários, pecuaristas, empresários e políticos envolvidos em crimes e desvios do poder na Bahia. O estado é o primeiro do Nordeste e o oitavo a ser retratado em uma retrospectiva de aniversário do observatório. Já foram publicados os textos sobre Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais , Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Uma das reportagens apontou a participação de políticos no esquema escancarado pela Polícia Federal em 19 de novembro de 2019, como o senador Ângelo Coronel (PSD-BA).”Com prisões e delações, Operação Faroeste amplia investigações contra políticos e grileiros“. O oeste baiano é o cenário dessa farra jurídica: “Família de cartorários, com braço na Câmara, desmata área de proteção ambiental“.
O fazendeiro João Toledo de Albuquerque, irmão do deputado federal Sérgio Toledo (PL-AL), comanda uma milícia acusada de grilar terras na região. O pai deles, Stelio Darci Cerqueira de Albuquerque, é dono de cartórios em Alagoas. A família é uma das que disputavam áreas com o fazendeiro Paulo Grendene, morto em junho de 2021. Outro conflito de Grendene era com Dirceu Di Domenico, que teria invadido parte das terras, “precipitando o plantio de safra, talvez acreditando que o ilícito se prolongaria no tempo”.
A Operação Faroeste explicitou um esquema milhares de hectares de grilagem: “Expoentes do agronegócio são a face menos falada do esquema de venda de sentenças na Bahia“.
EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO NO MATOPIBA SE DÁ EM CONFLITO COM POVOS TRADICIONAIS
Nomes como Luiz Ricardi, Walter Horita e Paulo Mizote formam uma espécie de “velha guarda” do agronegócio no oeste baiano. Esses fazendeiros migraram para o nordeste ainda na década de 80 vindos, em especial, do Paraná. Desde então, a luta por terras no oeste baiano envolve casos de pistolagem e violência contra os geraizeiros, descendentes de indígenas e quilombolas. Nessa época começaram a surgir os documentos do borracheiro José Valter Dias, que se tornou “o maior latifundiário do oeste baiano”, segundo definição do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dias seria sócio da JJF Holding, de capital avaliado em pouco mais de R$ 700 milhões, e é próximo do paranaense Luiz Ricardi, que coleciona dezenas de atos notariais envolvendo imóveis rurais em litígio
Expoente do agronegócio do oeste da Bahia, Walter Horita, também alvo da Faroeste, é um dos principais arrendatários do condomínio agrícola Estrondo, reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como um dos maiores latifúndios do país. A Horita Empreendimentos Agrícolas é exportadora individual de soja em Formosa do Rio Preto. Também paranaense, Horita é acusado de financiar a grilagem de outras áreas na região, como em Barreiras (BA).
A área em disputa, foco da Operação Faroeste, está localizada na região de Cerrado chamada Matopiba, uma das últimas fronteiras agrícolas do mundo entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Ali outras histórias se repetem atingindo os povos do campo, como os vaqueiros: “Líder de produtores de algodão na BA comanda ameaça a comunidades do Cerrado“.
No município de Correntina, no entorno dos Fechos Capão do Modesto e Porcos, Guará e Pombas, Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), é autor da ação de despejo contra famílias que vivem há gerações na comunidade.
A região de Matopiba tem sido alvo de uma desenfreada corrida por terras que precipita os conflitos rurais devido à expulsão, muitas vezes violenta, de povos indígenas e comunidades tradicionais de seus lares, como ocorre em Correntina. As consequências ambientais são claras: “Matopiba concentra mais da metade das queimadas no Cerrado“.
VIOLÊNCIA ATINGE OS POVOS INDÍGENAS DO LITORAL BAIANO
As pressões do mercado especulativo imobiliário estão também no litoral baiano: “Ordem para despejo, a favor de escola de aviação, ameaça 24 famílias indígenas em Porto Seguro“. Em uma decisão liminar expedida no dia 20 de agosto de 2020, autorizou-se uma reintegração de posse em uma área de 401,02 m², na Aldeia Novos Guerreiros, ocupada por indígenas do povo Pataxó no território Ponta Grande, entre Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, no sul do estado. A área é reivindicada pela empresa Sky Dream Escola de Pilotagem, e ameaçou de despejo, em plena pandemia, 24 famílias indígenas.
Diversos povos indígenas da região permanecem ameaçados por ordens judiciais, incluindo corte de serviços públicos essenciais, como água e energia elétrica. A Justiça local tem decidido contra os indígenas, mesmo com a determinação do STF de suspender reintegrações de posse e despejos durante a pandemia. No primeiro semestre de 2021 seis aldeias Pataxó e duas Tupinambá receberam notificações nesse sentido. Grande parte das ações é movida por empresários ligados aos setores turístico e imobiliário, uma vez que os territórios desses povos, em sua maioria, estão ainda em processo de demarcação e ficam em áreas de crescente interesse turístico.
No extremo sul da Bahia, nos municípios de Prado e Mucuri, o governo federal solicitou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em áreas ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O pedido partiu do secretário Especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro e autodeclarado inimigo da reforma agrária e da demarcação de terras indígenas.
A portaria (n°493, de 1° de setembro de 2020) para uso da Força Nacional foi assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça. O pedido foi feito com base em um conflito que teria sido provocado pelos camponeses, mas nunca comprovado. Nabhan Garcia defende regularização fundiária autodeclarada, apelidada por movimentos do campo como MP da Grilagem.
SUL DA BAHIA SOFRE COM O DESERTO VERDE DO EUCALIPTO
Quem teve a oportunidade de conhecer a região de Caravelas, no Sul da Bahia, há mais de 30 ou 40 anos, pôde constatar a transformação da paisagem: em vez da exuberância da Mata Atlântica, avistada também pelos portugueses que chegaram aqui, hoje se vê a monotonia de dos eucaliptos, uma espécie que não é nativa, mas originária da Oceania.
Em 2017 este observatório noticiou o lançamento do documentário “Desertos Verdes: Plantações de Eucalipto, Agrotóxicos e Água”. Elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), o filme traz relatos indígenas, quilombolas e camponeses da região sobre expulsões, ameaças e, claro, degradação da Mata Atlântica e de suas fontes naturais de água. Além disso, denuncia o uso intensivo de agrotóxicos.
A plantação de eucaliptos consome quantidades enormes de água para se desenvolver. O documentário destaca as empresas responsáveis por esses desertos, como Fibria, resultado da fusão entre Aracruz e Votorantim Celulose e Papel, e Veracel, multinacional resultante da união entre a brasileira Suzano e a finlandesa Stora Enso.
A Veracel Celulose também figura em um levantamento da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) que mostra como o governo da Bahia, chefiado pelo petista Rui Costa, autorizou o desmatamento de 34.307 hectares, o que equivale à área urbana de Salvador, entre 20 de março e 26 de junho de 2020, em meio à pandemia. A multinacional obteve licenças de instalação para cultivo de monocultura de eucalipto nos municípios de Eunápolis, Itagimirim e Santa Cruz Cabrália.
A Veracel é alvo de pelo menos dez ações judiciais envolvendo o desmatamento de áreas de Mata Atlântica, expulsão de camponeses e invasão de terras indígenas. O território da empresa no município de Cabrália já foi definido como “cemitério de eucaliptos“. Em nota, a Veracel negou as informações.
GEDDEL: FAZENDAS A PREÇO DE BANANA E R$ 51 MILHÕES EM APARTAMENTO
A cobertura das eleições de 2018 já trazia um perfil de políticos em cada Unidade da Federação: “Ruralistas da Bahia multiplicam até 18 vezes suas fortunas“. Entre eles se destacava Geddel Vieira Lima, ex-deputado e ex-ministro no governo de Michel Temer, preso após a Polícia Federal encontrar R$ 51 milhões em um apartamento seu no escopo da Operação Cui Bono?.
A operação investigava a liberação de créditos para empresas em troca de propina, pela Caixa Econômica Federal, quando Geddel era vice-presidente de pessoa jurídica. Em 2014, o ex-deputado e ex-ministro – hoje em prisão domiciliar – declarou possuir 9.045 hectares em doze fazendas no sudoeste da Bahia, nos municípios de Ibicuí, Itapebi, Itapetinga, Itarantim, Macarani e Potiraguá, no valor total de R$ 801 mil – o que valeria, na verdade, R$ 67 milhões, em cálculo de 2017, 84 vezes mais que o valor declarado à Justiça Eleitoral.
Com Geddel preso, a família tentou se manter presente no Congresso com a reeleição de seu irmão Lúcio Vieira Lima. O patrimônio de Lúcio cresceu dezessete vezes durante sua vida pública. O patrimônio do deputado federal Paulo Magalhães (PSC), sobrinho do ex-governador Antonio Carlos Magalhães, que buscava o oitavo mandato em Brasília, passou de menos de R$ 1 milhão, em 1998, para R$ 16,7 milhões, em 2018. Foi o maior aumento de patrimônio entre os treze ruralistas baianos que tentaram a reeleição. Os dois não foram eleitos.
Entre os reeleitos, o deputado Arthur Maia (DEM) sextuplicou seu patrimônio em dezesseis anos, saindo de R$ R$ 270 mil, em 2002, para R$ 1,79 milhão, em 2018. Claudio Cajado (PP) em vinte anos aumentou treze vezes seu patrimônio: em 1998, eram R$ 847 mil; em 2018, R$ 11,1 milhões. Em doze anos como parlamentar, João Carlos Bacelar (PR) quadruplicou seu patrimônio. José Rocha (PR) aumentou 7,5 vezes seu patrimônio em vinte anos.
EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas terá ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assista ao vídeo do aniversário:
No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.
| Nanci Pittelkow é jornalista. |
Imagem principal (Montagem com foto de Victor Moriyama/Greenpeace): devastação no Cerrado baiano
LEIA MAIS:
De Olho nos Ruralistas faz cinco anos e multiplica projetos
Usina de ruralistas influentes, RS multiplica negacionismo político
Empresários e políticos de SC colecionam latifúndios na Amazônia Legal
Berço da Lava Jato e da Carne Fraca, Paraná é palco de conflitos históricos
A força da grana e da cana: São Paulo, o centro envergonhado do ruralismo
Lobistas do leite e do eucalipto, políticos protagonizam conflitos no campo em Minas
De Eike aos banqueiros, Rio de Janeiro concentra os “ruralistas celebridades”
Dos lobistas do café a Jair Renan, a face política do agronegócio capixaba