Esplanada da Morte (XIX) — Como o Congresso ajudou a criar condições para o genocídio

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Parlamentares evitaram crise mais grave com auxílio emergencial, mas antes aprovaram projetos de desmantelamento de políticas públicas; enquanto Rodrigo Maia fecha com agenda de Paulo Guedes, Davi Alcolumbre busca apoio inconstitucional para reeleição

Por Leonardo Fuhrmann

Mesmo com alguns atritos com o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem sido um dos principais defensores do teto de gastos e também das reformas, como a trabalhista e a previdenciária. A diminuição dos investimentos é um dos fatores que deixou o país mais vulnerável à pandemia e com menos condições de controlar seu avanço. Apesar de desentendimentos casuais com Guedes, primeiro retratado nesta série de reportagens, as semelhanças nos objetivos de ambos permanecem as mesmas.

A situação no Senado é ainda mais grave. Eleito graças a um movimento orquestrado por Onyx Lorenzoni, quando o atual ministro da Cidadania ainda era responsável pela articulação política, Davi Alcolumbre (DEM-AP) é um aliado mais fiel do Executivo. Atualmente, ele está sentado em cima de 22 vetos presidenciais. A votação no Congresso poderia levar a novas derrotas do governo. Os vetos da desoneração da folha salarial, a ampliação do auxílio emergencial, o novo marco do saneamento básico e o pacote anticrime estão na fila para serem analisados.

De Olho nos Ruralistas esmiúça na série Esplanada da Morte, desde o dia 28 de julho, o papel de cada ministro — entre outros integrantes do governo — na potencialização da pandemia no Brasil. Em sua reta final, a série retrata também a influência, por ação ou omissão, de instituições como a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, com foco maior em Maia e Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado.

CHEFES DA CÂMARA E DO SENADO INFECTARAM-SE EM MOMENTOS DISTINTOS

A fidelidade de Alcolumbre a Bolsonaro tem mais uma razão de ser. O senador busca apoios para uma estripulia jurídica que lhe permitiria disputar a reeleição. A Constituição veda expressamente a reeleição na mesma legislatura. Uma das alternativas seria tentar emplacar uma interpretação alternativa do texto constitucional no STF.

A relativização do texto constitucional conseguiu o apoio da Advocacia Geral da União (AGU), ligada ao Executivo, responsável por um parecer favorável à possibilidade de reeleição.

Outra saída seria a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para mudar a regra e permitir a reeleição. Essa saída já está em andamento. Aliada de Alcolumbre, a senadora capixaba Rose de Freitas (sem partido) apresentou a PEC, que precisa de maioria qualificada na Câmara e no Senado para ser aprovada. Além do prazo curto, o plano esbarra numa suposta falta de interesse de Maia na proposta. Pelo menos é o que Rodrigo Maia tem declarado.

Os dois presidentes de casas legislativas sentiram na pele o impacto da pandemia. Alcolumbre teve o resultado positivo anunciado no dia 18 de março, quando o Brasil tinha 529 casos, segundo dados das secretarias estaduais de saúde, e quatro mortes. Ele chegou a ser internado na madrugada do dia seguinte no Hospital Sírio-Libanês de Brasília. Maia testou positivo para a Covid-19 no último dia 16, após participar da posse do presidente do STF, Luiz Fux. Neste domingo (20), o Brasil chegou a quase 137 mil óbitos em decorrência direta do novo coronavírus.

MAIA ADMITE ERRO EM PLANO QUE ENFRAQUECIA O SUS

O maior exemplo de implosão de políticas públicas com a assinatura do Congresso vem da época do governo Michel Temer, quando uma PEC acongelou as despesas do governo federal, com cifras corrigidas pela inflação, por até vinte anos. Desde a época em que a proposta estava em discussão, a maior preocupação de especialistas contrários à proposta era seu impacto em investimentos na saúde e na educação. São dois setores que tradicionalmente vinham com um aumento de gastos acima da inflação. A discussão passava pelo risco de desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Antes mesmo da posse de Bolsonaro, Maia acenava para a defesa dos planos econômicos apresentados por Paulo Guedes. “Votei no Bolsonaro pela agenda econômica dele”, disse, após o segundo turno. “Tenho muita convergência com os caminhos que estão sendo propostos pelo Paulo Guedes. Se essa for a agenda do governo no Parlamento, terá sempre o meu apoio”. Guedes foi o primeiro retratado nesta série de reportagens: “Esplanada da Morte (I) — O papel de Paulo Guedes na implosão de direitos e na explosão da pandemia“.

Nos últimos meses, a defesa do teto dos gastos tem sido um mantra de Maia, mesmo sob impacto da pandemia. Em agosto, ele chegou a afirmar que nada que desrespeitasse o teto de gastos seria votado na Câmara neste ano.  Na pauta do deputado estão agora as reformas administrativa e tributária. Na Reforma da Previdência, no ano passado, o presidente Jair Bolsonaro chegou a se referir a Maia como “nosso general” na defesa do projeto.

No começo deste ano, Maia e o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, chegaram a se manifestar a favor da criação de planos de saúde populares, uma medida que poderia aumentar mais a pressão sobre o SUS, com uma concorrência predatória. Em maio, o presidente da Câmara admitiu estar enganado. “Eu tinha uma visão muito pró-mercado privado de saúde, mas a gente vê que o SUS é importante”, admitiu.

Depois disso, Maia anunciou um plano de “modernização” do SUS, visto com preocupação pelo Conselho Nacional de Saúde. “Modernizá-lo não pode ser um pretexto para abrir as portas aos setores privados, citados pelo presidente da Câmara como interlocutores da referida proposta, interessados na posse de bens públicos”, afirmou, em um comunicado.

LEGISLATIVO OCUPA VÁCUO DO EXECUTIVO

Apesar da movimentação de Maia e Alcolumbre e da aproximação do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, motivado por cargos e liberação de emendas, o Legislativo saiu com um saldo positivo da pandemia, na avaliação do pesquisador Antônio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap): “Saíram do Congresso as principais iniciativas de combate à pandemia e a seus impactos, como o auxílio emergencial e a ajuda para estados e municípios”.

Para Queiroz, a falta de projetos do Executivo fez o Legislativo tomar a frente das propostas: “O governo Bolsonaro não tem programa de governo, porque não tem nenhum objetivo de construir nada, as propostas são só de acabar com tudo que foi construído desde a redemocratização”. As propostas, na avaliação dele, só foram adiante graças a uma estratégia da oposição: “Ela conseguiu que o Centrão acolhesse algumas dessas propostas e as adotasse pra si”. Com isso, os projetos superaram a resistência de Bolsonaro e foram aprovados.

A ação do Congresso não surtiu nenhum efeito positivo na própria imagem, mas, contraditoriamente, acabou melhorando a avaliação do governo Bolsonaro, conforme as pesquisas divulgadas nos últimos meses. “É normal no sistema político brasileiro que os méritos fiquem para o governo, porque é quem executa as políticas que foram aprovadas”, diz Queiroz, o analista político.

A oposição também se destacou na fiscalização, com a apresentação de representações ao Ministério Público Federal e como signatária de ações no Supremo Tribunal Federal contra omissões cometidas por Bolsonaro e sua equipe. A obrigação de medidas para a proteção de indígenas, a autonomia da estados e municípios para tomar medidas de isolamento e pela transparência dos dados sobre a pandemia foram algumas das principais vitórias da oposição no Judiciário.

Leonardo Fuhrmann é repórter do De Olho nos Ruralistas |

Foto principal (Isac Nóbrega/PR): Rodrigo Maia, Jair Bolsonaro e Davi Alcolumbre

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