Nelson Barbudo tenta emplacar PL da Caça, desejo antigo dos Bolsonaro

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Projeto seria votado nesta quarta, quando Câmara realizou sessão em homenagem ao Dia do Meio Ambiente; ao ver que ambientalistas tinham votos para rejeitar a proposta na CMA, relator retirou-a de pauta

Por Mariana Franco Ramos

A Semana do Meio Ambiente costuma ser o momento em que parlamentares aproveitam para aprovar propostas de defesa da biodiversidade. Mas não com Jair Bolsonaro (PL-RJ) e Arthur Lira (PP-AL) no poder. Nesta quarta-feira (08), pouco antes da sessão solene em homenagem ao Dia do Meio Ambiente na Câmara, a bancada ruralista se articulava para atender a um desejo antigo do presidente: autorizar a caça esportiva em todo o território nacional, inclusive com o uso de cães.

Barbudo cumprimenta o amigo Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

De autoria do ex-deputado federal Nilson Stainsack (PP-SC), o Projeto de Lei 5.544/2020 seria votado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMA). Ao perceberem que os ambientalistas teriam votos suficientes para rejeitar a matéria, porém, o relator, Nelson Barbudo (PL-MT), e o presidente do colegiado, Covatti Filho (PP-RS), a retiraram de pauta. Ambos são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

“Conseguimos mobilizar forças para derrotar o PL”, contou o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Alessandro Molon (PSB-RJ), em coletiva de imprensa. Segundo ele, a retirada aconteceu contra a vontade da maioria presente, que pretendia já rejeitar o projeto. “Não é liberando a morte de animais que vamos reforçar nossa relação com a natureza”.

Apenas o javali tem a caça autorizada no Brasil, desde que haja um registro ativo de “controlador”. Isso por se tratar de uma espécie “exótica, invasora e com grande poder reprodutivo, adaptativo e predatório”. Se a iniciativa de Stainsack virar lei, contudo, fazendeiros poderão abater outros animais dentro de suas propriedades. Basta apresentarem um certificado de registro de posse da arma de fogo.

EDUARDO BOLSONARO É UM ENTUSIASMADO CAÇADOR DE JAVALIS

Deputado mostra javalis mortos. (Foto: Reprodução)

Levantamento do G1, em parceria com o Fantástico, mostrou que o ritmo de emissão de licenças para caçadores mais que triplicou em dois anos e oito meses de governo Bolsonaro. De janeiro de 2019 a agosto de 2021, o Exército concedeu 193.539 certificados de registro (CRs) para caçadores no Brasil. É um aumento de 243% em relação aos 56.400 emitidos entre 2016 e 2018.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho 03 do presidente, é um dos adeptos da caça de javalis. Em setembro de 2021, ele posou ao lado de fazendeiros com dezenas de animais mortos. Conforme a revista Fórum, o caso aconteceu no distrito de São Chico, em São Francisco de Assis (RS), na propriedade de Mauro Maia. O parlamentar não só participou da ação, como apareceu em um vídeo celebrando a “conquista”.

Ele também já saiu para caçar os suínos em Santa Catarina.

“O javali é vetor de diversas doenças, contamina nascentes e está virando um problema para o homem do campo”, disse, em outro vídeo. “Ele é como uma praga, um rato”, completou. Para o filho do presidente, apenas “xiitas ambientalistas” condenam a prática. E, como forma de se mostrar um “amante dos animais”, ele finaliza contando que até adotou uma cachorrinha.

Após a veiculação da reportagem da Globo, 03 saiu em defesa dos caçadores. Durante live em suas redes sociais, afirmou que a emissora os persegue por uma questão ideológica. “Eles imaginam que um mundo perfeito é um mundo sem armas”, ironizou.

“PRECISAMOS ESTAR PREPARADOS”, DIZ TATTO SOBRE PL VOLTAR

Reunião da Comissão de Meio Ambiente. (Foto: Reprodução)

Na avaliação de Vivi Reis (PSOL-PA), trata-se de mais um “presente nefasto” do governo e dos ruralistas. Mulher amazônida, ela falou que o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips, do The Guardian, e do indigenista Bruno da Cunha de Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), mostra que “não estamos em segurança”. “O combate à política ecocida e genocida do Bolsonaro é feito por esses sujeitos: ativistas, indigenistas, povos tradicionais”.

Para Nilto Tatto (PT-SP), é sintomático que, “pela primeira vez em muitos anos”, na Semana do Meio Ambiente não haja na pauta do plenário projetos de fato comemorativos e propositivos. “Todas as propostas vão contra o meio ambiente e seus principais parceiros, que são os povos e comunidades tradicionais”. O petista acrescentou que, apesar da vitória de ontem, acredita que o PL da Caça deva retornar. “Eles sempre voltam e nós precisamos estar preparados, mobilizados e com os sentidos aguçados”, destacou.

BARBUDO COMPAROU LEGALIZAÇÃO DA CAÇA COM ABORTO

O projeto de Nilson Stainsack não é o único que libera a caça a tramitar na Câmara. O PL  3384/2021, de Wellington Fagundes (PL-MT), enviado pelo Senado, o PL 7129/2017, de Alexandre Leite (DEM-SP), o PL 4402/2020, de Nereu Crispim (PSD-RS), o PL 4827/2019, de Ronaldo Santini (PTB-RS), e o PL 6268/2016, de Valdir Colatto (MDB-SC), versam sobre o mesmo tema.

Colatto possui quatro propriedades rurais fora de seu domicílio eleitoral: uma em Formoso do Araguaia (TO) e três em Vilhena (RO): “Três ruralistas de Santa Catarina têm terras na Amazônia; um deles despejou camponeses no Paraguai“.

Colatto, fazendeiro em Rondônia, também sugere abate de animais silvestres. (Ilustração: Baptistão)

Todos os PLs sobre caça, curiosamente, são relatados por Barbudo, um bolsonarista e, claro, defensor da prática. “Vil e asqueroso é defender o aborto”, comparou ele, no ano passado, como mostra o site VGN. “Matar criança no ventre materno pode? E abater animal não pode?”, questionou. “Outra coisa, liberar a maconha pode, legalizar a caça não pode?”

O deputado é um inimigo assumido dos povos do campo: “Ruralista sem terras, Nelson Barbudo é acusado de incentivar invasões de terra dos Xavante“. E tem histórico de crimes ambientais. Em 2005, ele foi autuado em R$ 78 mil por desmatamento em Área de Preservação Permanente (APP) dentro de sua propriedade: “Autuado por desmatar área de preservação, Nelson Barbudo quer limitar multas ambientais a R$ 5 mil“.

Quando morreu o bispo emérito de São Félix do Xingu (MT), dom Pedro Casaldáliga, fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o pecuarista manifestou-se desta forma: “Bolsonarista, deputado Barbudo diz que Dom Pedro Casaldáliga ‘desencarnou para o inferno’”.

PARLAMENTARES LANÇAM MANIFESTO CONTRA ATAQUES AO AMBIENTE

Durante a sessão solene, os integrantes da frente leram um manifesto, direcionado a Lira e a Rodrigo Pacheco (PSD-MG), contra o chamado combo da morte ou da destruição. “Assistimos atônitos à aprovação de proposições, no âmbito da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as quais favorecem ainda mais o agravamento do nosso quadro socioambiental e econômico, ao lado da nossa imagem, extremamente desgastada no mundo todo”.

Entre as matérias, eles destacam os PLs do Veneno (6.299/2002), que torna ainda mais flexível a concessão de registros para agrotóxicos, inclusive cancerígenos e mutagênicos; e do licenciamento ambiental (3.729/2004), que “certamente, ao lado de toda a negligência com a proteção socioambiental, levará à judicialização, por não atender pressupostos constitucionais”.

O documento “Em Defesa do Meio Ambiente e da Vida” lista ainda o PL da Grilagem (2.633/2020) e o PL 2.001/2019, que desapropria e indeniza propriedades privadas em unidades de conservação de domínio público sem regularização fundiária. De acordo com Angela Kucsach, da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação do Meio Ambiente, este último seria “a morte das unidades de conservação” no país, porque prevê a caducidade das que não estão regularizadas. “E é fato que ninguém lá quer discutir soluções”, disse.

Deputados da Frente Ambientalista concederam entrevista coletiva. (Foto: Mariana Franco Ramos)

Quem apresentou a matéria foi o deputado Pinheirinho (PP-MG), outro membro da FPA. Assim como o PL da Caça, estava na pauta de quarta, mas acabou retirado. O relator é Rodrigo Agostinho (PSB-SP). O principal doador de campanha do pepista, Walter Santana Arantes, é sócio de três das maiores redes de supermercados mineiras: EPA, BH e Mineirão. Srgundo a Repórter Brasil, o latifundiário é mandante de ameaças em disputas de terras com comunidades quilombolas localizadas em Januária e Itacarambi, no norte do estado. Em 2018, ele doou R$ 120 mil para a campanha de Pinheirinho.

Oriundo de uma família tradicional de políticos e donos de terras do Rio Grande do Sul, Covatti, o presidente da CMA, é autor de um dos textos que inspirou o PL do Veneno (6.299/2002). De Olho nos Ruralistas falou dele: “Ruralistas ocupam posições chave nas comissões permanentes da Câmara“. O gaúcho também recebeu financiamento do agronegócio. Um dos principais doadores de sua campanha em 2018, com R$ 50 mil, foi Canisio Froelich, presidente da Cooperativa de Produtores de Algodão (Unicotton) e dono de fazendas no Mato Grosso e no Tocantins.

Aprovado em fevereiro na Câmara, o Pacote do Veneno já chegou ao Senado e foi distribuído apenas à Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). A oposição pede que a matéria seja discutida nas demais comissões, como a CMA, antes da votação definitiva, em plenário, uma vez que a CRA é dominada por ruralistas.

O presidente do colegiado, Acir Gurgacz (PDT-RO), integrante da FPA, será o relator da proposta, registrada sob o número 1.459/2022.  Dono de uma propriedade de 31,6 mil hectares em Envira, no sul do Amazonas, ele é o segundo senador com maior extensão de terras, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), compilados pelo De Olho em 2019 no Mapa das Terras dos Parlamentares.

| Mariana Franco Ramos é jornalista. |

Foto principal (Reprodução): armado, filho do presidente aparece ao lado de fazendeiros com dezenas de javalis mortos

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