O Brasil avança sobre o Paraguai. Territorialmente. Não por meio do Estado, mas pelo agronegócio. Nos departamentos localizados na fronteira, os equivalentes aos nossos estados, a porcentagem de propriedades rurais nas mãos de brasileiros chega a 60%. Em todo o país, essa porcentagem atinge 14,2% do total. Quase 2/3 da quantidade de propriedades no Paraguai – 23,5% – nas mãos de estrangeiros.
Essa ofensiva cresce desde a década de 70 e não ocorre sem conflitos. De Olho nos Ruralistas conta, numa série de 36 reportagens, parte dessa história. Pergunta central: quem são esses brasileiros? O que eles fazem no Paraguai? E o que eles fazem no Brasil? Quais os impactos sociais e ambientais desse processo de ocupação? Qual o histórico desses fazendeiros?
De Olho no Paraguai traz um olhar para o país vizinho, mas outro para o próprio Brasil. Não se trata apenas de uma história feita por colonos. E sim de grandes proprietários que têm terras – e empresas agropecuárias – lá e aqui. A série mostra casos de expulsão de camponeses e desmatamento, do lado paraguaio; e casos de fazendeiros com propriedades em regiões de conflitos, do lado brasileiro.
Nem todos os dados sobre propriedades de terra no Paraguai estão disponíveis. Mas há algumas pistas. Dos 3.634.565 hectares vinculados aos cem maiores proprietários do Paraguai, 12,5% pertencem a 16 brasileiros, que possuem 454.286 hectares. Os dados divulgados pela Oxfam Paraguai foram organizados pelo observatório, que priorizou a face brasileira dessa concentração fundiária. Confira:
A lista dos 16 maiores proprietários brasileiros tem nomes pouco conhecidos no Brasil, mas conhecidos no Paraguai, como o do brasiguaio – um brasileiro efetivamente residente no Paraguai – Tranquilo Favero. Ele tem terras em todo o país. E é um dos primeiros da lista, abaixo da Seita Moon (que, como veremos, também tem conexões brasileiras) e do argentino Carlos Casado. Confira aqui a lista dos cem maiores donos de terra no Paraguai.
UM OLHAR A PARTIR DE 36 HISTÓRIAS
Quando esses brasileiros chegaram no país vizinho? Em que regiões atuam? O que eles plantam e criam? As terras do lado paraguaio atingem territórios indígenas? E as do lado brasileiro? Esses proprietários estão envolvidos em casos de corrupção, dos dois lados da fronteira? E as empresas agropecuárias? São elas apenas as velhas conhecidas dos brasileiros, como JBS e Minerva?
Esses são alguns dos temas da série de reportagens, que se inicia no dia 06 de novembro e vai até o dia 15 de dezembro. De Olho no Paraguai está dividido em seis partes. Cada uma com seis subitens. Subimpério traz o histórico dessa ocupação e as primeiras informações sobre o controle territorial – e econômico. Fronteiras detalha esse processo de expansão, já com histórias mais específicas dos grandes latifundiários brasileiros.
Essa expansão ganha contornos recentes no item Invasores do Chaco. A região menos habitada do Paraguai não costuma aparecer nas histórias mais conhecidas de fazendeiros brasileiros. Mas eles estão lá, principalmente na fronteira com o Mato Grosso do Sul. Por ali se multiplicam casos de desmatamento. E de conflitos com povos indígenas.
As Empresas trata do papel das corporações. Antes da compra da JBS paraguaia pela Minerva, era o frigorifíco de um brasileiro, por exemplo, o maior exportador de carne. No Brasil ele é um desconhecido – muito embora tenha terras no Mato Grosso do Sul. De Olho no Paraguai busca mostrar esse “efeito espelho”. A Política, por sua vez, mostra conexões dos proprietários de terra (e de empresas) com o poder institucional.
Finalmente, a série se encerra com Relatos de uma Guerra. Poderia se falar de invasão, a rigor, mas esse item busca identificar as cores verde e amarela em conflitos da história recente do campo no Paraguai. O processo de expulsão de camponeses de suas terras tem motivações econômicas e é muitas vezes movido a violência – como no Brasil.
PIOR DISTRIBUIÇÃO DE TERRAS DO MUNDO
Dono de um território rico em recursos, o Paraguai é ainda hoje um dos países mais desiguais da América do Sul. Segundo o Banco Mundial, em 2014, os 10% mais ricos da população possuíam renda mensal média 32 vezes superior à dos 10% mais pobres. O mesmo estudo aponta que 22% dos paraguaios encontram-se em situação de extrema pobreza.
No campo a situação é ainda pior. O Índice de Gini para distribuição de terras – coeficiente que mede a desigualdade fundiária no acesso às terras produtivas – no Paraguai é de 0,93, o pior da América do Sul. Colômbia e Brasil possuem um índice de 0,86 e vêm logo atrás.
Segundo o censo agropecuário mais recente, de 2008, as 1.284 propriedades com área superior a 5 mil hectares (apenas 0,4% do total de propriedades) detêm 56% das terras produtivas, equivalentes a 17,4 milhões de hectares.
Considerando as propriedades acima de 200 hectares, 90% das terras paraguaias estão nas mãos de apenas 12 mil proprietários, menos de 5% do total. Isso coloca o Paraguai como país com a pior distribuição de terras em todo o mundo.
Enquanto isso, a agricultura camponesa está encurralada em 4,3% do território paraguaio. Isto apesar de representar 83,5% do total de propriedades. Com uma pressão cada vez maior do agronegócio local para abocanhar novos territórios para produção de commodities, o número de camponeses sem-terra aumenta a cada dia. Hoje são mais de 300 mil famílias sem acesso à terra.
Os brasileiros são protagonistas dessa história.