Fazenda de Wasmosy em Amambay. (Foto: Reprodução/Facebook)

A expansão da JBS no Paraguai ganhou força com a aproximação entre o ex-presidente Juan Carlos Wasmosy, que governou o país entre 1993 e 1998, e Ricardo Saud. O “homem da mala” da JBS – foi ele quem entregou R$ 500 mil ao ex-deputado Rocha Loures, então assessor do presidente Michel Temer – representa Wasmosy na Goya Agropecuária e Comercial Ltda, que tem terras em Uberaba (MG) e Bela Vista (MS). No Paraguai, possui a Agropecuária del Norte Industrial y Comercial S.A.

Trata-se de um caminho inverso ao observado até aqui na série De Olho no Paraguai. Mostramos até agora vários casos de políticos e empresários brasileiros com latifúndios no Paraguai. Neste caso, foi o senador vitalício Wasmosy quem atravessou a fronteira – uma de suas fazendas fica em Bella Vista Norte, na divisa com Bela Vista. Com o mesmo nome da empresa paraguaia, Goya. Por outro lado, seu amigo Saud participou diretamente da expansão do grupo J&F em terras vizinhas.

Ricardo Saud já era, desde 1989, sócio de Wasmosy. Foi um dos coordenadores de sua campanha à Presidência. Mas ainda não fazia lobby para a JBS, pois só se aproximou dela em 2011. Assumiu as relações governamentais da empresa, depois a holding do grupo, a J&F. Em outras palavras, era o “responsável por distribuir as propinas”, como traduz um perfil feito pela Folha. “Era requisitado por deputados e senadores”.

Foi também nessa época que a empresa – já afirmada como multinacional – se expandiu no Paraguai, até a compra de suas plantas (diante dos prejuízos decorrentes da Operação Lava-Jato) pela Frigomerc, da Minerva, em 2017. No meio do caminho, Saud foi cônsul honorário do Paraguai no Brasil e ganhou dupla cidadania – o que se tornaria um dos motivos de sua prisão, diante da possibilidade de fuga.

Para a eternidade: Cartes e os irmãos Batista. (Foto: Divulgação)

A fábrica da JBS no discreto distrito de Belén, no departamento de Concepción, próximo da capital regional, foi inaugurada apenas um ano antes, em 2016, como “o maior frigorífico da América do Sul” pelo presidente Horacio Cartes – que pertence, como Wasmosy, à sigla hegemônica no Paraguai, o Partido Colorado. Mesmo o ato de lançamento das obras, em 2015, teve pompas e presença do chefe de Estado.

Meses antes da inauguração do frigorífico, foi realizada em Mariano Roque Alonso a Expo 2016, evento central do agronegócio paraguaio. A Associação Paraguaia de Criadores de Nelore e a JBS – que investiu US$ 80 milhões na nova planta – aproveitaram para apresentar um projeto de divulgação da “carne Nelore”. Arsenio Vasconsellos e Wasmosy, integrantes da APCN, prestigiaram o evento e posaram para fotos.

DO GOVERNO WASMOSY A CHEFE NA JBS

Ministro da Agricultura e Pecuária durante o governo de Juan Carlos Maria Wasmosy Monti, Arsenio Joaquín Vasconsellos Portas presidiu depois a Industria Paraguaya Frigorifica S.A. (IPFSA), frigorífico adquirido pela Bertín Paraguay em 2005 – e que cinco anos depois passou para a JBS, diante da compra do grupo Bertin pela empresa. Vasconsellos faleceu em 2014 e ganhou homenagem da multinacional brasileira.

Como no Brasil, as conexões entre o público e o privado são fluidas. Seu irmão Antonio Esteban Vasconcellos também é sócio da Goya Agropecuária, o braço brasileiro de Wasmosy. O procurador de Antonio é Ricardo Saud – preso na Papuda em outubro de 2017, transformado em delator pela Lava Jato e solto em março, em Brasília.

Antonio Vasconsellos e um dos filhos de Wasmosy, Alvaro, foram vice-presidentes da Associação Paraguaia de Criadores de Nelore. Segundo o Poder 360, que obteve informações do Paradise Papers sobre contas em paraísos fiscais, a Agropecuária del Norte é uma sociedade entre Ricardo Saud, Alvaro Wasmosy e seu irmão Diego Wasmosy – sócio de Saud em empresa de jogo do bicho online, hoje inativa, a BichoStars.

Larissa Riquelme promovendo o jogo do bicho virtual. (Imagem: Reprodução/Poder 360)

A Agropecuária del Norte produz carvão vegetal. Segundo relatório da Oxfam, Juan Carlos Wasmosy tem 7 mil hectares em Amambay, em nome da Goya Agropecuária. É onde fica a Estância Santa Teresa Goya, em Bella Vista Norte – na fronteira com a Bela Vista brasileira. Em 2012, um jovem motociclista foi baleado e morto por seguranças da fazenda. Por ter ousado desafiar a proibição de circulação na propriedade durante a noite.

O Poder 360 relata que uma das empresas de Diego Wasmosy, a Biotec Consultora Agronômica, possui como sócios um assessor direto de Horacio Cartes, Francisco Barriocanal Jiménez, que presta consultoria a produtores de algodão. Outro sócio da empresa é o ministro de Obras Públicas e Comunicações, Ramón Milciades Jiménez Gaona Arellano.

EM TERRAS DOS KADIWÉU

A Goya Agropecuária tem matriz em Uberaba e filial em Bela Vista, na fronteira com o Paraguai. O sogro de Saud, João Gilberto Rodrigues da Cunha, conhecia bem a região. Ele aparece entre os fazendeiros que tentaram – sem sucesso – conseguir na Justiça, em 1994 um aval para as terras incidentes na Terra Indígena Kadiwéu, em Porto Murtinho. O procurador-geral da República na época, Aristides Junqueira, negou o pedido.

Cunha e Wasmosy foram homenageados, na Expo 2017, como grandes impulsionadores da raça Zebu no Paraguai.

A etnia Kadiwéu foi explorada durante a Guerra da Tríplice Aliança por suas habilidades equestres. Diante dos serviços prestados ao império, conseguiram uma reserva indígena. Mas ela foi sistematicamente invadida por fazendeiros. O uberabense Cunha foi um dos que se instalaram no local. Não longe dali, no sudoeste sul-mato-grossense, fica a Fazenda Santo Antônio, da Goya.

Saud representa Juan Carlos Wasmosy, seu filho Alvaro Wasmosy Carrasco, o Lalo, e a família do ex-ministro Vasconsellos. A Goya de Uberaba é anterior ao período de Wasmosy à frente do Palacio de los López, sede do governo paraguaio.  A filial relativa à Fazenda Santo Antônio, em Bela Vista, foi criada em 1998, último ano de sua gestão. Atividade? Sempre a pecuária.

Wasmosy coleciona prêmios pelo gado Nelore. (Foto: Divulgação)

A Santo Antônio tem uma vaca premiada, a Esmeralda FIV. Durante a Expozebu 2016, evento em Uberaba tradicionalmente inaugurado por presidentes da República, de FHC a Dilma, de Lula a Temer, ela – com 826 quilos, 32 meses, neta da Rainha Fábula da Goya – abocanhou os prêmios de Grande Campeã e de Vaca Adulta na categoria Nelore Mocho. Ele obteve no Brasil o sucesso que buscava com Los Mochos Blancos de Goya – o outro nome de sua fazenda.

Segundo a Revista Nelore, a Goya surgiu a partir de uma viagem feita por Wasmosy a Presidente Prudente (SP) em 1979, quando Brasil e Paraguai ainda viviam suas ditaduras. O futuro presidente se interessou pela raça Nelore Mocho e acompanhou o trabalho de três criadores. Entre eles, Ruy Terra – dono de quase 22 mil hectares no Paraguai, como vimos na última reportagem do eixo As Empresas: “Sócios da Cosan têm 50 mil hectares no Paraguai; no MS, fazenda em território Kaiowá”.

Wasmosy já tinha parceria com Ovídio Miranda de Brito, um nome relevante da pecuária brasileira. A mulher de Ovídio, Esmeralda Machado Borges Brito, e seus seis filhos (Ovídio, Pedro, Paulo, José Carlos) aparecem na relação dos fazendeiros que, em 1994, queriam regularizar propriedades em território Kadiwéu, no Pantanal.

O político paraguaio, então, adquiriu matrizes de Brito e apostou na genética bovina. Mais tarde consolidou a venda de reprodutores na Fazenda Santo Antônio de Goya. (Com sucesso financeiro: uma novilha adquirida da Goya pelo brasileiro foi vendida por R$ 930 mil, em São Paulo, ao casal bilionário Doda Miranda e Athina Onassis).

EX-PREFEITO IDEALIZOU ESTRADA

No dia 31 de dezembro de 1997, o presidente Wasmosy criou por decreto uma estrada idealizada pelo pecuarista brasileiro José Flávio da Costa Queiroz. Ele não só cria gado no departamento de Alto Paraguay, desde 1986, como levou vários amigos para a atividade na região do Chaco. Vice-prefeito de Porto Murtinho entre 2001 e 2004, ele se instalou em Carmelo Peralta e fez pressão pela conexão do município – que fica do outro lado do Rio Paraguai – com a região central do Paraguai.

Em 2009, 40 famílias do povoado San Carlos, em Fuerte Olimpo (capital do Alto Paraguay), exigiram a expropriação de 2 mil hectares pertencentes a Queiroz. Elas alegavam estar no lugar havia mais de 30 anos. O pecuarista estava disposto a doar 200 hectares. Mas os camponeses consideravam essa área insuficiente para a pequena pecuária desenvolvida no local.

Outro político de Porto Murtinho, o ex-prefeito Nelson Cintra, possui fazendas dos dois lados da fronteira e também aposta na logística entre os dois países (assim como os presidentes Michel Temer e Horacio Cartes), como mostramos nesta reportagem do eixo Fronteiras: “Ex-prefeito de Porto Murtinho, no MS, tem terras dos dois lados do Rio Paraguai”. Seu irmão, Nilson Cintra, também pleiteou fazendas em território Kadiwéu.

Do outro lado do rio, o estímulo à criação de Nelore no Chaco – com ajuda do Fondo Ganadero, do governo – beneficiou outros brasileiros. Entre eles Mario João Boff, da Cabaña Santa Rita, região Oriental do Paraguai. Em 2001 (após, portanto, a saída de Wasmosy), o governo Colorado firmou um convênio para o desenvolvimento de reprodutores também na Estância La Patria, no Alto Paraguay. Outra empresa beneficiada foi a Goya, de Wasmosy.

Uma reportagem da Repórter Brasil, publicada em julho, traz informações sobre o frigorífico Minerva – o segundo maior do Brasil, após a JBS – e mostra como a pecuária brasileira avança sobre o Chaco paraguaio. Essa é também a história que percorre as seis reportagens de um dos seis eixos desta série, Invasores do Chaco.