Capa do Relatório de Impacto Ambiental da empresa de Companhoni. (Imagem: Seam)

Terceiro maior latifundiário brasileiro no Paraguai, o gaúcho Joici Luiz Companhoni tem sua vida empresarial movida pela madeira. Ele e sua família vivem entre Maringá (PR) e o departamento de Canindeyú, do outro lado da fronteira com o Paraná. Ali e no Alto Paraná, somam 14 mil hectares. No departamento de Boquerón, no extremo oeste do Chaco, possuem 40 mil hectares. Em território de índios isolados, os Ayoreo Totobiegosode. Essa expansão passa também pelo Mato Grosso do Sul e tem no desmatamento uma de suas marcas.

Os Ayoreo são o único povo indígena isolado da América do Sul que não vive na Amazônia. A Survival já apresentou ao Comitê de Eliminação da Discriminação Racial da Organização das Nações Unidas (ONU) um relato das ameaças ao povo originário. E o caso da Ganadera Umbu – que tem 40 mil hectares em Boquerón – é emblemático. A empresa de Companhoni foi flagrada pelo Ministério Público praticando crimes ambientais, em 2016. E prevê o desmatamento como fonte de renda, além de método de expansão pecuária.

O brasileiro aparece em lista da Oxfam como 13º maior latifundiário no Paraguai, com 40 mil hectares. De Olho nos Ruralistas constatou que ele é o terceiro brasileiro na lista: “Proprietários brasileiros têm 14% das terras paraguaias“. Mas soma agora mais 14 mil hectares, tamanho de suas propriedades na Região Oriental. São 54 mil hectares, metade da área de Hong Kong, na China. Companhoni fica atrás apenas de Marcelo Bastos Ferraz e de Tranquilo Favero – que ainda terão suas histórias contadas na série De Olho no Paraguai.

Figueiredo com o general Samaniego, que repassou para brasileiro as terras no Chaco. (Foto: Reprodução)

Ele comprou suas terras do general paraguaio Adolfo Samaniego, um dos homens de confiança de Alfredo Stroessner durante a ditadura (1954-1989) e ministro da Defesa de Andrés Rodriguez, sucessor de Stroessner. Em 1983, embaixador no Brasil, tomava mate com o general João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura brasileira (1964-1985), seu amigo desde os anos 50. Figueiredo passava desde 1965, a Stroessner, dados sobre os paraguaios que viviam no Brasil. Nesse ano Samaniego comandava a unidade militar de Presidente Stroessner, hoje Ciudad del Este.

“Há indícios de que se trata de um título inventado mediante uma alteração de dados no Registro Público de Propriedades”, escreveu Marcos Glauser em um livro sobre estrangeirização de terras publicado em 2009 pela Base Investigaciones Sociales (Base-IS). “Aparentemente uma parte das terras do general Samaniego formava parte dos 150 mil hectares que Andrés Rodríguez ofereceu a Lino Oviedo por seu apoio ao golpe de Estado em 1989”. O general Oviedo viveu no exílio, no Brasil, entre 1999 e 2002.

A DESTRUIÇÃO DAS FLORESTAS

Variação do desmatamento no Chaco em dez anos. (Fonte: Global Forest Watch)

As terras de Companhoni ficam no distrito de Mariscal Estigarribia, no Boquerón. Não à toa é o município que mais desmata no Grande Chaco, que se estende por Bolívia e Argentina. Somente em janeiro foram 13.520 hectares de desmatamento. Ou “desmonte”, como diz o último Relatório de Impacto Ambiental da Ganaderia Umbu. Esse relatório, de abril de 2015, prevê exploração agropecuária nas terras dos povos isolados. Com 13 mil hectares de pasto: o Panicum maximum.

Mas não foi o primeiro relatório de impacto ambiental da Umbu Pecuária. O de 2005 falava em pecuária “e extração de madeira”. A ser aproveitada “quase totalmente como lenha e carvão, além de algumas que possam ser industrializadas”. Tudo isso acompanhado do “desmonte” de 23.800 hectares de mata, a serem substituídas por 18.852 cabeças de gado Nelore e Brangus. Consequências, segundo Marcos Glauser: degradação da vegetação, aumento da temperatura local, mais erosão e salinização.

Pois bem: o desmatamento de 20 mil hectares na região de Aguada Lidia foi efetivado. E quem mostra isso é o próprio Relatório de Impacto Ambiental da empresa, em 2015. A parte de cima do mapa sobre o uso atual da terra (abaixo) mostra a área desmatada e utilizada, principalmente, para pasto. A parte de baixo mostra as florestas ainda preservadas. Em 2006, nada menos que 99,5% da propriedade (39.807 hectares) era composta de matas nativas, primárias.

Fonte: Seam, Relatório de Impacto Ambiental da Ganadera Umbu, abril de 2015.

Houve também impacto nos recursos hídricos da região. Como se previa desde 2005. No ano passado o Ministério Público do Paraguai constatou, junto com um comitê de Direitos Ambientais, que o preparo do solo para as gramíneas afeta as matas ciliares. E que a empresa não cumpriu as medidas de mitigação, ou seja, não preservou árvores. Por isso Joici Companhoni foi denunciado por delitos ambientais. “Comprovamos que há algum tempo se queimou o campo e foram retiradas todas as árvores”, afirmou o procurador Andrés Arriola ao ABC Color.

Nenhum dos dois Relatórios de Impacto Ambiental da Ganadera Umbu entregues à Secretaria do Ambiente – o ministério paraguaio do setor – faz referência ao povo Ayoreo Totobiegosode, apesar dos impactos ao seu habitat. O relatório de 2005 dizia não existir “nenhum risco para o bem estar da coletividade”. Pelo contrário, alega a empresa, pois o projeto pecuário significaria fonte de trabalho numa região, a do Chaco Seco, “onde a vida devido às condições climáticas é difícil”.

Não é a mesma percepção de lideranças indígenas da América Latina. Na Declaração de Quito, em 2007, o Comitê Indígena Internacional para a Proteção dos Povos em Isolamento Voluntário e Contato Inicial da Amazônia e do Grande Chaco (Cipiaci) denunciava a ingerência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no tema e dizia que o desmatamento constituía uma ameaça direta contra a vida, o território e a forma de vida dos Ayoreo, “que produzirá um genocídio e um etnocídio”.

Número de trabalhadores do Chaco previstos no projeto de 2015 da Ganadera Umbu? Vinte e um.

AS FAZENDAS IMBU, NO BRASIL E PARAGUAI

Umbu e Imbu são duas variações da mesma palavra, relativa ao fruto do umbuzeiro. Significa “árvore que dá de beber”. Umbu dá nome à empresa agropecuária dos Companhoni no Chaco. Imbu, às fazendas. Imbu III, no caso do Boquerón. Imbu I e II, na Região Oriental. A Imbu I fica em Corpus Christi, onde Joici tem residência, no departamento de Canindeyú. Ele é vizinho do senador colorado Bras Riquelme. A Imbu II fica em Itakyry, no Alto Paraná. Ambas estão aptas a exportar para o Chile, principal mercado da carne paraguaia.

São essas duas fazendas que somam 14 mil hectares – uma enormidade nesse extremo leste do Paraguai, ocupado por colonos brasileiros.

Fabiano Martins Companhoni é o sucessor do pai no Paraguai. (Reprodução: Facebook)

No Brasil ainda existe a Fazenda Imbu, em Amambaí (MS), em nome do espólio de Antonio Companhoni. Ela já esteve no nome do irmão Joici Companhoni e de sua mulher, Maria Helena Companhoni, como mostra um processo trabalhista de 1999. O casal, por sua vez, é sócio na Imbumar Madeiras. E foi sócio da Imbu Madeiras, desativada, com atividade em Naviraí (MS). Os municípios de Amambaí e Naviraí, no sul do estado, ocupam área tradicional do povo Guarani Kaiowá, em território que até a Guerra da Tríplice Fronteira era do Paraguai.

A Imbupisos Exportadora e Importadora está no nome de Fabiano e Luciana Companhoni. A irmã deles, Juliana, sócia com eles na FLJ Administradora de Bens (de Fabiano, Luciana e Juliana), é advogada, como o pai. É o zootecnista Fabiano quem dá continuidade aos projetos de Joici. Ele mantém no Paraguai – mora em Curuguaty – a Ganadera Roots, que tem como marca as iniciais de seu nome, Fabiano Martins Companhoni, FMC. Ela está nos bois e nos caminhões do grupo.

Somente a holding FLJ não tem “imbu” no nome. A base de todas essas empresas é Maringá, nos mesmos endereços. Mas mesmo uma empresa que Joici Companhoni tinha no exterior teve essa característica: a Imbufloor Inc., sociedade dele com Maria I. Marin, em Miami, nos Estados Unidos. Ela, por sua vez, é sócia de Ariel J. Marin, chefe do escritório da Wells Fargo – onde também é vice-presidente sênior – na América Latina e no Caribe. Os dois são donos da Arimar International, importadora de madeira que ela fundou após uma visita a Curitiba.

Empresa dos Companhoni exporta para EUA e Canadá. (Fonte: Import Genius)

A Imbumar Madeiras já exportou produtos para os Estados Unidos, do Porto de Itajaí (SC) para o Porto de Nova Jersey, para a Berry Woods Products, que fechou suas portas no Alabama em 2010. A Imbupisos exportou jatobá para a canadense Kultur Flooring, passando por Nova Jersey, a partir do Porto de Paranaguá (PR). E mais jatobá para a estadunidense Brazilian Tinder Imports, a partir de Itajaí.

NOS ANOS 2000, MOGNO ILEGAL

Mogno exportado por empresas paranaenses foi símbolo de devastação da Amazônia. (Foto: Greenpeace)

Um relatório do Greenpeace, de 2001, mostra que Joici Companhoni era um dos vendedores de mogno na virada do século. A madeira – muito utilizada em violões e guitarras – tornou-se símbolo da devastação da Amazônia. O relatório (em inglês) “Parceiros no Crime do Mogno” enumera as empresas estadunidenses que mais importavam o produto, o “ouro verde”. Por exemplo, a bicentenária J. Gibson McIlvain Company, a JGM, de 1798, comprava madeiras de três fontes brasileiras: uma no distrito de Icoaraci, em Belém; outra, a Red Madeiras Tropicais Ltda; outra, a Imbumar Madeiras.

O proprietário da Red Madeiras Tropicais voltou à cena em 2017: ele foi um dos alvos das prisões preventivas da Operação Carne Fraca, em Curitiba, que investigou um esquema de liberação ilegal de carne, envolvendo fiscais, políticos e empresas. Antigo sócio da Fênix Fertilizantes, Perito Garcia chamava Daniel Gonçalves Filho – ex-superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná e um dos pivôs do esquema – de “irmão”, “compadre” e “padrinho”.

NA REGIÃO ORIENTAL, CONFLITOS

Este eixo da série De Olho no Paraguai, Invasores do Chaco, trata dos conflitos envolvendo latifundiários brasileiros na Região Ocidental. Mas Joici Companhoni, como vimos, atua também na Região Oriental, nas fazendas Imbu I e Imbu II, nos departamentos de Canindeyú e Alto Paraná. Há dois anos, em 2015, a tensão em uma dessas propriedades chegou a um estágio maior.

Na Região Oriental, conflitos com camponeses. (Foto: Reprodução)

Em Imbu II, no distrito de Itakyry, entre 10 e 40 pessoas “com rifles e escopetas”, pela descrição dos jornais paraguaios, entraram na fazenda e queimaram o rancho dos funcionários. Na fazenda vizinha, a Lapacho, impediram Leomar Machado, que despejava agrotóxicos de cima de um trator, de trabalhar. O relato policial e dos jornais diz que ele ficou “refém” dos ocupantes – supostamente, camponeses. Segundo o jornal Última Hora, essa propriedade tem 4 mil hectares.

O jornal ABC Color deu mais detalhes sobre o episódio e seu contexto. Atrás da Imbu II e da Lapacho, na colônia Santa Lucía, ficam acampados camponeses que reivindicam títulos de terra ao Instituto de Desarrollo Rural y de la Tierra (Indert). Eles seriam antigos “carperos” (sem-terra que vivem em carpas, barracas) de Ñacunday, distrito no Alto Paraná. Os dirigentes Juan Noguera e Castorino Insfrán chegaram a ser presos e levados a uma penitenciária de Ciudad del Este. A Imbu II fica ao lado da comunidade indígena Jukyry, do Povo Awá Guarani.

Esse território indígena está há anos em disputa com o território da soja. Em 2005, dois brasileiros tentaram expulsar os Guarani do local, com a ajuda da polícia: Esteban Serrati e Evaldo Hirch, arrendatários das terras que seriam de Alfredo Sebastián Jaeggli, filho do senador Alfredo Jaeggli. Os indígenas denunciaram despejo, ameaça de morte e tortura. Serrati e Jaeggli voltaram ao noticiário em 2008, acusados de vender ao Departamento de Obras Públicas uma fazenda sem título, inventada.