Região fica na fronteira com o Mato Grosso do Sul. (Imagem: Reprodução)

A saga brasileira dos Guarani Kaiowá continua do outro lado da fronteira, com o outro nome da etnia: Paî Tavyterâ. E esta é também uma história de embate contra o agronegócio. À frente desse conflito, na região de Amambay, na fronteira com o Mato Grosso do Sul, destaca-se um nome verde e amarelo: o do pecuarista e empresário Jorge Manuel Vitoria Caetano.

Trata-se de um megalatifundiário. Sua Estância Paî Quara possui nada menos que 41 mil hectares. Sua história foi escolhida para terminar a série De Olho no Paraguai por essa dimensão e por seu simbolismo: um povo indígena conhecido no Brasil, despejo de agrotóxicos, contaminação de águas, dívidas, uma teia empresarial. E uma cerca.

Como ao longo desta série, conflito envolve brasileiro.. (Imagem: Reprodução)

O território sagrado dos Paî Tavyterâ, Jasuka Venda, fica ao norte da fazenda do brasileiro, em Capitán Bado, a capital do departamento de Amambay, na fronteira com Coronel Sapucaia (MS). Em 2009, o juiz Carlos Alvarenga decidiu anexar 400 hectares dessas terras à Agroganadera Industrial Forestal Central del Paraguay, empresa de Caetano.

Espalhados por Amambay e Concepción, os Kaiowá pediam socorro. Vítimas de madeireiros e de grilagem, eles identificavam degradação ambiental da Jasuka Venda (nome que remete a um deus central para a etnia), também conhecida como Cerro Guazú, um território de 7.681 hectares inscrito desde 1993 na Direção Geral de Registros Públicos.

Em pleno território sagrado – um patrimônio cultural do Paraguai desde 1990 – o proprietário fincara uma cerca, um alambrado. Expandindo ainda mais seu território. (Perto da fazenda do brasileiro, no mapa, a reserva parece pequena. Uma das notícias fala em 60 mil hectares pertencentes a Jorge Caetano na região.)

Aquela decisão judicial de 2009 foi questionada por outro juiz em 2013, que interveio a favor da Asociación de Comunidades Indígenas Paî Tavyterâ “Paî Retâ Joaju”. Os Guarani Kaiowá falavam de um proprietário “sem rosto conhecido”, “com menos de 100 mil hectares de floresta destruída”.

DA INOVAÇÃO AOS AGROTÓXICOS

Território tradicional, mesmo assim invadido. (Foto: Reprodução)

Um vídeo da própria empresa de Caetano, a Central del Paraguay, divulgado em abril, aponta 41.449 hectares de pastagens na propriedade. Ele divulga uma apresentação do empresário em novembro, em Assunção, em um congresso sobre inovação no agronegócio organizado, por pecuaristas, no Sheraton Asunción Hotel.

Em documento divulgado em 2007, após uma auditoria ambiental na região indígena, a Contraloría General de La Republica informou que os moradores de Jasuka Venda denunciavam a contaminação do córrego Arroyo Blanco, limite com a Paî Quara, por causa da pulverização de herbicidas.

Outros brasileiros foram mencionados como vizinhos da reserva, entre eles o pecuarista – no Mato Grosso, madeireiro – Iracy Antoniolli. Segundo os Paî Tavyterâ, os fazendeiros queimavam as matas e caçavam animais silvestres. A única licença ambiental era da Central del Paraguay – e foi cancelada pelo governo paraguaio.

Não somente indígenas incomodaram-se com a vizinhança em Amambay. Em 2005, a brasileira Paulina Cristiane Branco, da Estância Ara Roke, de 2.500 hectares, disse ter sido ameaçada de morte, por telefone. O motivo seriam as denúncias de apropriação ilegal de terras por cem capangas ligados a Caetano. Eles também fizeram uma cerca. “Temos 6 mil cabeças de gado morrendo de sede”, declarou na época uma irmã de Paulina.

DE MARINGÁ AO PARAGUAI

Nome “Central” remete a frigorífico no Paraná. (Imagem: Reprodução)

O nome da Agroganadera Central remete ao antigo Frigorífico Central, de Maringá (PR), fundado pelos portugueses Joaquim Gomes Caetano e por Joaquim Duarte Moleirinho. No início, em 1954, era um açougue. A parceria entre as famílias teria ido somente até 1981, quando Caetano se mudou para o Mato Grosso do Sul. Mas veremos que os caminhos se cruzam nas cobranças de dívidas pela União – e também no Paraguai.

Os descendentes de Caetano e Moleirinho prosperaram. Nem sempre com métodos convencionais. Em julho, Eduardo Fernando de Oliveira Moleirinho foi preso em Pedro Juan Caballero, na fronteira com Ponta Porã (MS). Acusado de comprar gado para lavar dinheiro do traficante Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca – outro personagem desta série, com terras nos dois países.

As 36 mil cabeças de gado pertenciam à Estância Lusipar, em Santa Rosa del Aguaray, no departamento de San Pedro, quase no limite com Amambay. A empresa se chama Grupo Central Lusipar Agropecuaria Industrial y Comercial del Paraguay. Sua sede social fica no distrito de Tacuatí.

Segundo livro de Anibal Miranda sobre o crime organizado no Paraguai, as terras da Lusipar foram doadas durante o governo ditatorial de Alfredo Stroessner – assim como as propriedades do grupo português Espírito Santo – e estavam destinadas à reforma agrária. Elas pertenciam ao Frigorífico Central.

Um relatório de 2002 sobre uma reserva natural privada em Capitán Bado, a Ka’i Ragüe, a noroeste da terra indígena, mostra que Jorge Caetano e o Frigorífico Central eram vizinhos em Amambay. (Outro vizinho era Ruy Terra, casado com uma Rezende Barbosa, da família sócia da Cosan. A Estância Lagunita, dos empresários paulistas, também fica por ali.)

NO BRASIL, DÍVIDAS

As cobranças de dívidas pela União, em relação ao Frigorífico Central, em Maringá, acumulam os nomes de integrantes tanto da família Caetano como da família Moleirinho. Em março, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, determinou a penhora de um bem ligado aos descendentes dos portugueses.

Investimentos no Paraguai, dívidas no Brasil. (Foto: EBC)

Caetano foi sócio do Frigorífico Naviraí, que chegou a exportar carne e depois se atolou em dívidas, no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Descrevemos no eixo A Política a participação de um ex-prefeito sul-mato-grossense na empresa: “De brasiguaio eleito no Paraguai a prefeitos do MS, políticos também controlam terras”.

Em 2012, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região considerou Caetano ainda responsável pelas contas do Naviraí, em meio aos débitos tributários do grupo e omissão de contas bancárias. “Reputo provado que Jorge era responsável pela gestão e administração do frigorífico na época dos crimes”, decidiu o desembargador Joel Iran Paciornik.

Maringá se tornou conhecida nacionalmente por ser a cidade de origem do juiz Sergio Moro. Pois a Operação Lava Jato chegou também à família Caetano. Por meio do bar Favela do Portuga, de Gustavo Caetano, uma das empresas que fizeram depósitos suspeitos relativos à empresa JBS. O pai de Gustavo, Fernando Vitorio Caetano, foi um dos sócios do Frigorífico Naviraí – que virou Torlim e depois foi comprado pela JBS.

A empresa atual de Jorge Caetano no Brasil é a Agropecuária Paikuara Ltda, aberta em 1998, em Maringá. Mais uma com nome indígena. E mais uma com histórico de problemas com a Receita Federal. Ela está também em nome de Zulmira Caetano – por sua vez, sócia, em Santo André (SP), de três integrantes da família Moleirinho.

A empresa em Maringá fica na Avenida Brasil.

36 REPORTAGENS, UMA HISTÓRIA

Ao longo dos últimos meses, De Olho nos Ruralistas trouxe, com exclusividade, 36 reportagens relatando a expansão do capital brasileiro no Paraguai. Mais que uma dominação econômica, o Brasil atua como subimpério em relação aos seus vizinhos sul-americanos. Pelas fronteiras tomadas pelo contrabando e o narcotráfico, passam livremente as empresas e latifundiários. Mas são os indígenas que os donos da terra chamam pejorativamente de “paraguaios”.

O poderio econômico dos brasileiros se estende para a política paraguaia, derrubando presidentes e contribuindo para a expansão da fronteira agrícola rumo ao Chaco, lar dos últimos povos isolados fora da Amazônia e dos índices de desmatamento mais elevados do planeta.

Acossados no próprio território, camponeses e indígenas paraguaios vivem em um cenário de guerra – que vem por via aérea, com a pulverização de agrotóxicos sobre comunidades inteiras, e via terrestre, pelas mãos de policiais e seguranças privados, todos em defesa do interesse dos proprietários brasileiros.

As 36 reportagens – conectadas por meio desses seis eixos – contam uma única grande história: o Paraguai vive uma invasão. E seus impactos se espelham no lado brasileiro, com atuação idêntica e vítimas similares. Aqui e ali, o compromisso político segue beneficiando os donos do poder.

De Olho nos Ruralistas. De Olho nas Fronteiras. De Olho no Paraguai.