Não é apenas pelas terras que o Paraguai desperta a cobiça de brasileiros. O país tem importância geopolítica no que se refere à logística, ao escoamento de produtos. Projetos de expansão do agronegócio passam também por terras paraguaias. Sejam eles dos fazendeiros e governo do Brasil, sejam os planos continentais da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).
Sem acesso ao mar, os exportadores paraguaios dependem da infraestrutura hidroviária para escoar sua produção. O país se consolidou como um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas; é o 4º maior exportador de soja e o 6º em carne bovina; mas ainda enfrenta enormes gargalos no escoamento.
Segundo a Câmara Paraguaia de Exportadores e Comercializadores de Cereais e Oleaginosas (Capeco), que controla diversos terminais portuários, 90% das exportações de soja do Paraguai são escoadas por barcaças fluviais até portos marítimos da Argentina. A excessiva dependência logística em relação aos argentinos foi um dos fatores que determinou a aproximação política e econômica entre Paraguai e Brasil, como vimos no dia 10: “Ditadura de Stroessner marcou ofensiva brasileira por terras”.
Ainda nos anos 80, os governos paraguaio e brasileiro assinaram acordo para instalar um terminal de grãos controlado pela Administración Nacional de Navegación y Puertos del Paraguay (ANNP) no porto brasileiro de Paranaguá, a 743 km de Ciudad del Este, na Tríplice Fronteira. O objetivo era transferir para o Brasil parte do escoamento da soja paraguaia.
O projeto nunca decolou. O alto custo do transporte rodoviário e uma longa disputa jurídica pelo controle da concessão do terminal tornaram inviável a exportação a partir de Paranaguá. Ainda assim, o Brasil insiste em vender esta opção aos paraguaios. Quais os interesses por trás disso?
A DISPUTA POR PARANAGUÁ
O terminal paraguaio instalado no Porto de Paranaguá foi controlado por 25 anos por um consórcio internacional formado entre Capeco e a empresa brasileira Armazéns Gerais Terminal Ltda. A Capeco é a maior associação de produtores de grãos do Paraguai, controlada pelo grupo político ligado ao brasileiro – empresário e megalatifundiário – Tranquilo Favero.
Com capacidade de transportar até 90 mil toneladas por ano, o terminal é de interesse estratégico para o escoamento da soja paraguaia. Mas é obsoleto. A falta de manutenção pelo consórcio Capeco-AGTL levou, em 2011, a uma suspensão temporária. As reformas para adequação nunca foram realizadas, levando ao embargo das atividades do terminal até que uma nova licitação fosse realizada.
Essa licitação, no entanto, está envolta em acusações de corrupção por parte da autoridade portuária paraguaia. José Bogarín, diretor da Capeco, disse que a ANNP solicitou propina para garantir sua vitória no contrato. O consórcio Capeco-AGTL ficou de fora da licitação. As suspeitas aumentaram quando foi constatado que o grupo vencedor, Consórcio Mercosul, não possuía os requisitos mínimos exigidos pelo edital.
Com o impasse, a Capeco-AGTL se recusou a entregar o terminal sob alegação de que havia realizado investimentos estruturais no valor de US$ 9 milhões. E pediu indenização ao Estado paraguaio. Durante quatro anos houve uma intensa disputa judicial, resolvida em 2015 com uma ordem de reintegração de posse em favor da ANNP e do Consórcio Mercosul.
Nesse intervalo as exportações de soja do Paraguai pelo Porto de Paranaguá desabaram. Mas o governo brasileiro não desistiu da ideia.
PARAGUAI NO CENTRO DO PLANO IIRSA
Criada em 2000, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) é o mais ambicioso plano de integração regional na história do continente. Financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos de fomento sul-americanos, ele prevê a interligação de cadeias logísticas nacionais e internacionais com o objetivo de reduzir os custos logísticos e aumentar as exportações.
Dos oito eixos de integração desenvolvidos pela IIRSA, dois envolvem diretamente Brasil e Paraguai.
Paralisada desde 2002 em virtude de divergências em relação aos estudos de impacto ambiental, a Hidrovia Paraguai-Paraná busca ligar Cáceres (MT) a Nueva Palmira, no Uruguai, passando por Corumbá e Assunção. Espera-se viabilizar o escoamento de commodities do Mato Grosso e do oeste paulista pelos Rios Paraguai e Paraná. O Paraguai como atalho para as exportações brasileiras.
Mais abrangente, o Corredor Ferroviário Bioceânico Paranaguá-Antofagasta visa ativar a malha ferroviária entre Chile, Argentina, Paraguai e Brasil para criar um corredor logístico ligando os oceanos Pacífico e Atlântico, ampliando o volume de cargas no porto de Paranaguá. O projeto, no entanto, tem sido alvo de disputas regionais no Brasil.
Em 2009, o BNDES encomendou um estudo que identificou a rota Antofagasta-Paranaguá como a mais vantajosa. O custo total corresponde a um quinto do valor estimado para a segunda opção, entre Santos e Ilo, no Peru. Apesar de ter custado R$ 6 milhões aos cofres públicos, porém, o estudo foi ignorado e o projeto do corredor Antofagasta-Paranaguá encontra-se paralisado. Muito em função de denúncias de corrupção e nepotismo cruzado na administração portuária de Paranaguá.
NOVOS DONOS, VELHOS NEGÓCIOS
O Consórcio Mercosul é formado pela empresa paraguaia Diagro S/A, formada por dois sócios brasileiros, e pela brasileira Cimbessul S/A. A Cimbessul foi fundada pelo empresário Albino Tramujas, que em 1988 concorreu à prefeitura de Paranaguá pelo PMDB. Ele morreu em 2016. Mario Alberto Chaise de Camargo assumiu a presidência da empresa. Presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Foz do Iguaçu e diretor de Comércio Exterior da Associação Comercial e Empresarial de Foz do Iguaçu, é uma figura conhecida nos negócios da fronteira.
Seu nome consta também em depoimento de Luciano Serpa Chitolina à Polícia Federal em julho de 2015. Segundo Serpa, Camargo interferiu para que os serviços de tratamento fitossanitário para importação e exportação de produtos agrícolas via Paranaguá pudessem ser realizados também no Paraguai.
A mudança facilitou a entrada no Brasil de produtos sem tratamento contra pragas e doenças. Camargo é acusado também de, em conjunto com a Capeco, pagar uma “comissão” ao Superintendente Regional do Ministério da Agricultura no Estado do Paraná por ter conseguido deslocar a fiscalização para o interior do Paraguai.