Jair e os trabalhadores felizes com o emprego, na visão de Cartes. (Foto: Reprodução)

Em 2014, Horacio Cartes – que deixou a Presidência do Paraguai no dia 15 de agosto – esteve no Frigoríico Concepción, na capital do departamento homônimo, para inaugurar obras de ampliação da planta. Ao lado, o dono da empresa, seu amigo Jair Antônio de Lima. O então presidente dirigiu-se aos trabalhadores, conforme resumo feito pela E’A, e disse:

– Para haver emprego é preciso haver empregadores e o empregador é o Jair. Quero dizer a vocês que da minha parte assumo o compromisso de cuidar muito dele, é preciso cuidar dos empregadores porque são eles que permitem que cada um de vocês tenha emprego.

A publicação lembra que o frigorífico de Lima foi o mesmo flagrado naquele mesmo ano com carne roubada de uma fazenda, durante um assalto com fuzis e roupa camuflada. Iniciado como um pequeno matadouro, o Concepción tornou-se o maior do Paraguai – e o maior exportador de carne – até a compra dos ativos da JBS pela Minerva, no ano passado.

Do Brasil para o Paraguai: contrabando de carne. (Foto: Reprodução)

O Concepción levou uma multa de US$ 15 milhões, em maio de 2018, por ter contrabandeado 4 mil toneladas de carne. O carregamento saiu do Brasil, onde Lima teve fazendas e frigoríficos. Mais precisamente, de Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, de onde a mercadoria entrou pelo município – as duas cidades compõem uma conurbação – de Pedro Juan Caballero.

Cartes convocou uma reunião com o ministro da Indústria e Comércio, Gustavo Leite, para tratar do tema. Sem avisar que participaria. Uma das decisões das autoridades – apesar de discurso duro contra o contrabando – foi a de cancelar a suspensão temporária das exportações do frigorífico.

Em junho, Lima foi acusado por um ex-dirigente da Associação Rural do Paraguai de pagar propina para Leite e para o ministro da Agricultura e Pecuária, agora falecido, Luis Gneiting. O ABC Color contou neste dia 23 de agosto que a investigação criminal sobre isso acabou sendo congelada pela Unidade Especializada de Delitos Econômicos e Anticorrupção.

NO BRASIL, FICHA CORRIDA

No Mato Grosso do Sul, Jair de Lima possuiu fazenda dentro da Terra Indígena Arroyo Korá, em Paranhos. Seu nome consta de relatório feito pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB-SP) em 2012, durante a Expedição Marco Veron. Dos 7.175 hectares demarcados pela Fundação Nacional do Índio (Funai), 6.475 foram tomados pelos fazendeiros. Entre as propriedades no local está a Fazenda Nova Alvorada, de 1.128 hectares.

Vida de gado corrida entre os dois países. (Imagem: Reprodução)

O município de Paranhos fica na fronteira com Ypejhú, no departamento de Canindeyú. As terras em Arroyo Korá são reivindicadas pelos povos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva. O nome de Lima aparecia, no relatório de demarcação feito pela Funai em 2004, como o proprietário da Nova Alvorada. Mas isso foi antes da briga com o antigo socio do Frigorífico Concepción, Waldir Cândido Torelli.

Localizada na rodovia que segue para Amambaí, ao norte, a Nova Alvorada tem a pecuária como atividade principal. Está registrada desde 2013 pela empresa VT Brasil Administração e Participação Ltda, hoje em nome dos filhos de Torelli, Rodrigo, Eduardo e Waldir Torelli Junior.

Entre os Guarani e o horizonte, gado. (Fotos: Reprodução)

Essa foi uma das fazendas beneficiadas por decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu, em 2010, acatando pedido de fazendeiros, a homologação da Terra indígena, decretada no anterior pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2017, a ministra Rosa Weber revogou as liminares que suspendiam a homologação.

Dois anos antes, a Comissão Permanente de Análise das Benfeitorias da Funai decidiu considerar como “derivadas da ocupação de boa fé”, para efeito de indenização, as benfeitorias instaladas por Torelli e por outros ocupantes não indígenas. E suspender a análise dos benefícios, à espera de decisão do STF.

Cenário de ataques promovidos por pistoleiros, a TI Arroyo Kora é a mesma onde fica a Fazenda Shekinah, de 444 hectares, declarada em 2016 por R$ 1,76 milhão pelo prefeito de Alta Floresta (MT), Asiel Bezerra de Araújo (MDB). Shekinah significa “habitar, fazer morada”.

ENTRE AS DÍVIDAS E A PROSPERIDADE

Do lado paraguaio, Jair Antônio de Lima expandiu seus negócios de forma voraz. O Frigorífico Concepción está conectado à Agroganadera Concepción, que provê o gado, à Transportadora Concepción e à comercializadora Central de Carne Concepcíón. A estratégia, desde o início nos anos 90, tem sido a exportação.

Paim pediu dados a Lima na CPI da Previdência. (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

O frigorífico exporta para sete países europeus, nove asiáticos, três americanos (Brasil, Chile e Venezuela) e oito africanos. Os maiores compradores do Concepcíón são a Rússia e o Brasil. País com o qual Jair Antônio de Lima tem uma relação muito peculiar. Por aqui, deixou empresas falidas, dividas trabalhistas, credores diversos. Com direito ao arresto de bens.

Uma dessss empresas, a Amambai Indústria Alimentícia, foi listada como a 153º maior devedora da Previdência, com uma dívida de R$ 182 milhoes em 2017. (A JBS estava no segundo lugar, primeira entre empresas do agronegócio, atrás somente da Varig, com dívida de R$ 2,4 bilhões.) O senador Paulo Paim (PT-RS) requereu em junho desse ano, a Lima, informações do Frigorífico Vale do Amambai Ltda (Fribai) para a CPI da Previdência.

Amambaí dá nome a um município no Mato Grosso do Sul e a um departamento – o equivalente a um estado – no Paraguai. Do lado brasileiro da fronteira, ele e o antigo sócio Waldir Cândido Torelli chegaram a ter bens declarados indisponíveis, por causa das dívidas. Antes delas, eles multiplicaram as empresas.

O Fribai foi aberto em 1997, em São Paulo. A Torlim Indústria Frigorífica, em Itaporã (MS), em 1998. A Amambai Indústria Alimentícia e a Irapuru Produtos Alimentícios Ltda, em 1999. Ambas em São Paulo. A Limatore [de Lima e Torelli] Indústria Frigorífica, em Paranatinga (MT), em 2000. A Torlim Alimentos, em 2006. De novo em São Paulo.

CARNE QUE VAI, GADO QUE VEM

Em 2003, Polícia Federal deflagrou uma operação, a Garrote, em cidades de São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Mato Grosso do Sul – no caso, Ponta Porã e Amambaí. Neste último município foram apreendidos computadores e documentos da Amambai Indústria Alimentícia, do Fribai e do Frigorífico Naviraí Ltda, em Maringá (PR) – hoje com a JBS.

Investigava-se uma sonegação previdenciária de R$ 70 milhões. Segundo a Polícia Federal, as contribuições do Funrural eram descontadas sem o repasse devido. A operação ocorreu após a apreensão, naquele mesmo ano, de oito caminhões de gado contrabandeados do Paraguai para o Fribai.

Um ano depois, em 2004, a Justiça mandou sequestrar 17 fazendas e 77 caminhões, entre outros bens, do Grupo Torlim – que também tinha como sócio Pedro Cassildo Pascutti. O gado paraguaio estava legalmente impedido de entrar no Brasil por causa da febre aftosa.

O Frigorífico Concepción, no Paraguai, pertencia a Lima e ao cidadão amambaiense Waldir Cândido Torelli, que disputou e perdeu o controle da empresa após ter sido desalojado pelo sócio. Os dois começaram as atividades no Brasil com um açougue, em 1982. Inauguraram o primeiro frigorífico cinco anos depois. Começava o Grupo Torlim. A planta em Paranatinga foi arrendada para o grupo Marfrig – o segundo maior frigorífico do mundo.

Sócio de Jair Lima na empresa Garantia Participações Ltda e diretor do Frigorífico Concepción, Pedro Pascutti possui a Estância Dom Alberto e a Fazenda Mangay, em Coronel Sapucaia, também na fronteira com o Paraguai. A 3a Vara Federal da comarca de Guarulhos (SP) pediu a indisponibilidade dos bens de Lima e Pascutti, em 2015, entre outros sócios das empresas Garantia Total Ltda, Garantia Participações e Torlim Alimentos S/A.

Um desses sócios, Renan Prado Duran de Lima, já teve empresa – a CBR Administração e Participação – como alvo de denúncia de trabalho em condições degradantes na Fazenda Torlim, de 4.826 hectares, entre Novo São Joaquim e Barra do Garças (MT). A Justiça do Trabalho pediu a penhora e a indisponibilidade dos bens da fazenda.

TORELLI TEM VÁRIAS FAZENDAS NO MS

Torelli foi investigado na Operação Jurupari. (Foto: Divulgação)

Torelli deixou o grupo em 2009 e teceu outra rede de empresas. Duas delas, a VW Brasil Agropecuária e a VT Brasil Administração e Participações – em nome de dos filhos Eduardo e Waldir Torelli Junior – têm ou tiveram pelo menos nove fazendas em Amambaí: Brasil (com 1.155 hectares), Vaticano, Três Poderes, Isla-Caigue, Recreio, Paraíso, Mantova, Camilla e Borda da Mata, esta última na fronteira com terra indígena Guarani Kaiowá.

A VT Brasil moveu ação de interdito proibitório contra a Funai, a União e a “comunidade Guarani-Kaiowá”, alegando que os indígenas “estariam molestando sua posse no imóvel rural Fazenda Borda da Mata”. A União alegou que não havia provas. Testemunhas falaram em boatos de invasão. O juiz da 1ª Vara de Ponta Porã decidiu, em julho, que o pedido era improcedente.

Em 2013, Torelli tornou-se uma das dezenas de réus denunciados na Operação Jurupari, no Mato Grosso, que investigava formação de quadrilha, desmatamento ilegal e furto de madeiras em operações de manejo florestal no norte do estado. A estimativa de prejuízos causados era de R$ 900 milhões.