Itaú figura entre os bancos que mais crescem no Paraguai. (Imagem: La Nación)

Não apenas os grupos agrícolas brasileiros buscam prosperar no Paraguai. Mas também sua base financeira de sustentação. Ao longo da série De Olho no Paraguai, temos acompanhado histórias de grandes empresas do agronegócio brasileiro e suas atividades – e impactos – em terras vizinhas. Maior banco privado da América Latina, com US$ 437 bilhões em ativos, o Itaú Unibanco opera há 35 anos no Paraguai e é uma das instituições financeiras que mais crescem no país.

Em 2017, os ativos do Itaú Paraguay S.A. somavam US$ 3,62 bilhões. Líder nessa categoria e também em número de clientes, o banco gere as contas de 495 mil pessoas físicas e jurídicas. Considerado protótipo para expansão do Itaú na América Latina, a operação paraguaia do banco tem um portfólio diversificado, que vai de subsidiárias de empresas brasileiras ao varejo bancário. Mas o grande destaque é o crédito para agricultura e pecuária: ele compõe 28,7% do portfólio do banco.

PATROCINADOR DE TOUROS

Ali Osman e os prêmios da Greenfield. (Foto: Reprodução/Facebook)

A atuação na pecuária é escancarada. O Itaú é o principal patrocinador da Associação Paraguaia de Criadores de Brahman e da Associação Paraguaia de Criadores de Braford – ambas com a mesma sigla, APCB. A Noite de Premiação Itaú Bradford já é uma tradição na promoção do gado de origem estadunidense, na Expo de Mariano Roque Alonso.

Segundo o relatório da Oxfam Paraguay, elaborado com base no registro de contas rurais do Servicio Nacional de Catastro, o Itaú Paraguay possui, junto aos bancos GNB, Regional e Amambay e à comercializadora de grãos ADM, uma participação na empresa Issos Greenfield International S.A.

Dona de 11.653 hectares na divisa entre os distritos de Curuguaty e Yby Pyta, no departamento de Canindeyú (na fronteira com o Paraná e o Mato Grosso do Sul), a empresa é dirigida pelo pecuarista Ali Mohamed Osman, imigrante libanês radicado em Foz do Iguaçu – ele é filiado ao MDB local.

Entre 2013 e 2015, a Cabaña Issos Greenfield foi tricampeã no ranking de touros da raça Braford nas categorias melhor difusor, melhor criador e melhor expositor a campo, segundo a Associação Paraguaia de Criadores Braford. Membro da APCB, Osman participa do programa “Carne Braford”, que busca difundir o selo de origem no mercado importador da União Europeia.

Apesar do reconhecimento na criação bovina, Ali Mohamed Osman passou gradualmente a adequar as estâncias Monte Verde e Vy’aha ao cultivo mecanizado de soja. Não sem dores de cabeça. Em junho de 2011, Osman foi denunciado pelo Ministério Público do Paraguai junto a outro fazendeiro brasileiro, Sebastião Nilson Mendes, por crime ambiental cometido contra a comunidade indígena Campo Agua’ê, de etnia Avá-Guarani.

Limite da Estancia Vy’aha com comunidade indígena Campo Agua’ê não cumpre legislação ambiental. (Foto: Repórter Brasil)

Segundo a denúncia encaminhada pelos indígenas à Coordinadora de Derechos Humanos del Paraguay (Codehupy), o uso intensivo de agrotóxicos pela Issos Greenfield International causou a contaminação dos cursos de água que abastecem as cem famílias da comunidade, com episódios de febre, vômitos, abortos espontâneos, baixa produtividade nas colheitas, morte de colmeias e animais de criação.

O juiz do caso, José Dolores Benítez – o mesmo responsável pelo litígio que apurou o massacre de Curuguaty, onde foi acusado de favorecer ilegalmente a empresa Campos Morombí suspendeu o processo contra Ali Mohamed Osman e Sebastião Nilson Mendes por falta de provas. Isto apesar da operação de fiscalização, ocorrida anos antes, que flagrou na Estancia Monte Verde 149 galões do herbicida Paraquat e 40 caixas do inseticida Endosulfán, ambos de comercialização proibida no Paraguai.

A Estancia Vy’aha também foi notificada pela ausência de barreiras de proteção nos limites da plantação. Sebastião Nilson Mendes voltará a ser tema da série no eixo Relatos de uma Guerra.

UM IMPÉRIO FUNDADO NO AGRONEGÓCIO

No Brasil, o setor primário responde por 19% da carteira do Itaú BBA, o braço atacadista do Itaú Unibanco. Em 2014, o banco possuía aplicações de R$ 13 bilhões no setor sucroenergético e uma lista de clientes que inclui gigantes do agronegócio brasileiro, como JBS, Cosan, Minerva Foods, Heringer, Usina São Martinho, Raízen, Fibria, ETH, Biosev e BRF.

Os dirigentes do Itaú Unibanco esperam incomodar a ampla liderança do Banco do Brasil no mercado de financiamento agrícola. O gerente sênior de agronegócios do Itaú BBA, Guilherme Pessini Carvalho, estima um aumento de 40% na carteira de agropecuária em 2018, com um aumento de 200 para 250 no número de clientes.

Focado no setor sucroalcooleiro, o Itaú BBA conta com um time de especialistas para monitorar 57 grupos empresariais no Centro-Sul. Antonio Carlos Barbosa Ortiz, consultor sênior de agronegócio, é produtor de eucalipto em Araxá (MG). O antigo diretor da área, Alexandre Figliolino, pertence ao conselho de administração da Odebrecht Agroindustrial, renomeada para Atvos.

O gigantesco cafezal de João Moreira Salles. (Foto: Reprodução/IMS)

Mas a experiência do Itaú Unibanco no agronegócio vai muito além. A própria fortuna das famílias que compõem o conselho diretivo do conglomerado está intimamente ligada à agricultura.

João Moreira Salles, patriarca fundador do Unibanco, começou os negócios com o comércio e exportação de café no nordeste do estado de São Paulo. Ele chegou a possuir, entre as décadas de 1950 e 1960, a maior área contígua de cafezais do mundo: 370 mil hectares dispostos entre os municípios paranaenses de Goio-Erê e Campo Mourão, além de outros 57 mil hectares em Matão (SP).

Desse enorme latifúndio restou a Fazenda do Cambuhy: uma área de 5.803 alqueires (14 mil hectares) que  já abrigou os Rolling Stones e hoje dá nome ao fundo de investimentos da família Moreira Salles.

Mick Jagger e Keith Richards também estiveram na Fazenda Bodoquena, na serra homônima no Mato Grosso do Sul, uma propriedade de 400 mil hectares (segundo o Instituto Moreira Salles) adquirida, em 1956, da Companhia Industrial Franco-Brasileira. Walther Moreira Salles (diplomata, filho de João) associou-se aos banqueiros David e Nelson Rockefeller no investimento pecuário. Nelson viria a ser vice-presidente dos Estados Unidos, entre 1974 e 1977. A família Moreira Salles gostava muito da paisagem pantaneira. João e Nelson caçavam onças juntos.

Segundo o IMS, a propriedade  era cortada por 150 quilômetros de estradas de ferro e teve 80 mil cabeças de gado. Foi vendida em 1980 – na esteira do ProÁlcool – para um consórcio entre Grupo Atlântica Boa Vista (parte comprada depois pelo Bradesco), Votorantim e as famílias Ometto (Cosan) e Dedini. Hoje, após vários desmembramentos, a fazenda é controlada pelo grupo Votorantim.

Além da agricultura, os Moreira Salles também são donos de um império na mineração. Em 1965, Walther Moreira Salles comprou a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), maior produtora de nióbio do mundo, concentrando 85% do fornecimento global do mineral. Com sede em Araxá, a empresa foi diversas vezes denunciada pela contaminação de vias hídricas por metais pesados e pela dispersão de poluentes.

Terras dos Setúbal em São Paulo: manchas verdes representam as terras da Duratex e da Eucatex, do ex-governador Paulo Maluf. (Imagem: Reprodução)

DO LADO DO ITAÚ, MAIS LATIFÚNDIOS

Foi o patriarca do Itaú, Alfredo Egydio de Souza Aranha, quem fundou em 1951 a Duratex, indústria de compensados de madeira. Administrada pelo sobrinho Olavo Egydio Setúbal (prefeito biônico de São Paulo entre 1975 e 1979 pela Arena), a empresa recebeu do governo paulista a concessão de uso para silvicultura dentro do Núcleo Colonial Monção, inicialmente criado com o propósito de repartir terras entre imigrantes estrangeiros e colonos brasileiros para produção de pequena escala no Sudoeste Paulista.

Em 2007, já controlada pelo grupo Itaú S.A. e presidida por Paulo Setúbal, filho mais velho de Olavo, a Duratex controlava 110 mil hectares de florestas plantadas nos municípios de Lençóis Paulista, Botucatu, Itapetininga e Agudos. Em fevereiro de 2018, a empresa vendeu 9,5 mil hectares para a Suzano Papel e Celulose, cuja fusão com a Fibria foi anunciada diretamente da sede do Itaú BBA. Após a fusão, a Suzano será a maior empresa do agronegócio brasileiro, com um valor de mercado de R$ 83 bilhões.

As terras da Duratex são vizinhas de Jovelino Mineiro, o melhor amigo de Fernando Henrique Cardoso – cuja família também tem terras na região, nas margens do Rio Pardo. O pecuarista foi sócio do grupo português Espírito Santo – empresa que esteve entre as maiores proprietárias de terra no Paraguai, com mais de 136 mil hectares – na Fazenda Morrinhos. Antes de falir, os portugueses foram os maiores acionistas estrangeiros do Bradesco.

Falecido em 2008, Olavo Egydio Setúbal teve seus filhos como sucessores. Além de Paulo Setúbal, na Duratex, Roberto e Olavo Jr. assumiram o Banco Itaú e a Itaú Seguros, respectivamente. Olavinho Setúbal é um dos condôminos da Fazenda Boa Vista, no interior paulista, ao lado de personalidades como o publicitário Nizan Guanaes, onde sedia eventos para a elite econômica e cultural paulistana.

Olavo Setúbal e filhos: DNA agrário. (Foto: Reprodução)

Ainda que mais distante dos negócios da família, a irmã Maria Alice Setúbal, mais conhecida como Neca, também não escapou ao DNA agrário da família. Após o fim de seu primeiro casamento, a socióloga – uma das principais apoiadoras da candidatura de Marina Silva (Rede) à Presidência da República – conheceu o marido em uma viagem ao interior de Tocantins: Paulo Almeida Prado era corretor de terras em Araguaína. Os dois se casaram e montaram um luxuoso hotel-fazenda em Itu (SP), onde vivem atualmente.

FAMÍLIA BRACHER: TERRAS NO PANTANAL

Após a saída de Roberto Setúbal, a presidência do Itaú Unibanco passou às mãos de Cândido Botelho Bracher, filho do fundador do BBA. Após ser comprado pelo Itaú em 2002, o banco de investimentos voltado para clientes com grandes fortunas passou a gerir a carteira de agronegócio do conglomerado.

Casada com Cândido, Teresa Cristina Bracher é proprietária da Fazenda Jatobazinho, no Pantanal sul-mato-grossense. Em 2009, ela foi alvo de inquérito civil do Ministério Público Federal por danos ambientais causados após a construção de uma escola sem as devidas licenças ambientais, em convênio com a Prefeitura de Corumbá, na margem esquerda do Rio Miranda. Ela assinou um Termo de Ajustamento de Conduta e aplicou R$ 100 mil no financiamento do projeto de pesquisa “Para Sempre Rio Paraguai”.

Rede Amolar: reservas são propriedade de Teresa Bracher e Eike Batista. (Imagem: IHP)

Teresa Bracher é a principal proprietária de terras entre os participantes da Rede de Proteção e Conservação da Serra do Amolar, grupo gerido pelo Instituto Homem Pantaneiro responsável pela administração de um mosaico de unidades de conservação e RPPNs, as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, no norte do Pantanal.

Ela também é dona da Fazenda Santa Tereza, com 63 mil hectares, sendo 10 mil hectares usados para pecuária e 53 mil hectares dedicados à conservação. Uma das reservas que compõem a Rede Amolar, a RPPN Engenheiro Eliezer Batista é, como o nome indica, uma homenagem do proprietário, Eike Batista, a seu pai. A área de 13 mil hectares pertencente à MMX Mineração, antes chamada Fazenda Novos Dourados, foi convertida em reserva em 2008.

Em 2017, Bracher recebeu autorização para supressão vegetal em outra unidade de conservação no Pantanal, desta vez na zona de amortecimento do Parque Estadual do Rio Negro, em Aquidauana.

BANCO NACIONAL ATUAVA NO PARAGUAI

A operação do Itaú no Paraguai foi herdada da fusão com o Unibanco que, com a compra dos ativos do Banco Nacional, em 1995, passou a controlar as agências da bandeira Interbanco – com sede no país vizinho. O processo de falência do Nacional tornou-se o primeiro escândalo financeiro após o início do Plano Real.

Executivos do banco usaram 600 contas fantasmas para efetuar empréstimos falsos com o intuito de maquiar os balanços fiscais entregues ao Banco Central do Brasil. O Nacional também tornou-se o primeiro a receber recursos oriundos do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), criado por Fernando Henrique Cardoso para resgatar instituições financeiras insolventes.

Com empréstimo de R$ 7,2 bilhões do Banco Central, o Unibanco comprou a “parte boa” do Nacional, o que incluía o Interbanco. A “parte podre” dos espólios ficou com a União. Em 2013, Marcos Catão de Magalhães Pinto, ex-presidente do Nacional, foi preso pela Polícia Federal junto a outros três executivos do banco, sendo liberado em menos de 24 horas.