Plantação de soja da BrasilAgro em Boquerón. (Foto: Reprodução)

Em dezembro de 2013, uma negociação pelo controle de terras no Paraguai mexeu com o mercado financeiro brasileiro. A aquisição de 50% da participação na empresa Cresca S.A., no valor de US$ 18,5 milhões, transformou a BrasilAgro na primeira imobiliária agrícola brasileira a explorar o mercado de terras no país vizinho, com 141.931 hectares no departamento de Boquerón, área central do Chaco.

Controlando 266 mil hectares nos dois países, a BrasilAgro foi uma das pioneiras no mercado de terras brasileiro a adotar o modelo conhecido como pool de siembras, onde um grupo de investidores adquire propriedades rurais como ativo financeiro, inicia a produção de commodities agrícolas e vende a fazenda já em operação.

Na safra 2017/2018, a BrasilAgro semeou 102.194 hectares e alcançou um lucro líquido de R$ 54 milhões entre janeiro a março, 11 vezes maior que o registrado no mesmo período de 2017. A maior parte das terras da empresa – 54% – é dedicada ao plantio de soja e demais grãos, seguida por cana-de-açúcar, pastagens, algodão e eucalipto.

Nos últimos anos, a BrasilAgro tem ampliado seu portfólio de terras e avançado rumo ao Matopiba. Das 15 propriedades desenvolvidas pela empresa desde sua fundação em 2005 – incluindo 4 fazendas que foram vendidas -, 8 estão localizadas nos estados na Bahia, Maranhão e Piauí.

Do Paraguai ao Matopiba: portfólio de fazendas da BrasilAgro. (Imagem: Reprodução)

 

População protesta contra agropecuárias em Correntina, onde BrasilAgro possui fazenda. (Foto: Reprodução)

De acordo com estudo publicado pela Chain Reaction Research, entre 2012 e 2017 a BrasilAgro desmatou 21.690 hectares de Cerrado no Matopiba para a instalação de quatro fazendas. O relatório aponta que a BrasilAgro pode perder até 21% de seu valor de mercado caso seus dois principais clientes internacionais, que firmaram o Manifesto do Cerrado, honrem o compromisso de não comprar commodities agrícolas derivadas de local onde houve desmatamento.

Em meio a isso, a empresa tem migrado seus investimentos dentro da região. Em fevereiro de 2017, a BrasilAgro investiu R$ 100 milhões na compra de 32 mil hectares no Maranhão, em São Raimundo das Mangabeiras, enquanto anunciava a desmobilização de seus ativos na Bahia.

A maior dessas fazendas, a Chaparral, está localizada em Correntina (BA) e possui 37.182 hectares, dos quais 12.672 foram desmatados para produção de grãos. Em novembro, Correntina tornou-se conhecida nacionalmente quando um levante popular levou 10 mil pessoas às ruas em protesto pela escassez de água, ocasionada pelo desvio de cursos de rios por latifundiários locais.

BRASILEIRA, PERO NO MUCHO

A BrasilAgro surgiu em 2005 da parceria entre o brasileiro Elie Horn, proprietário da imobiliária Cyrela, e a empresa argentina Cresud S/A. Sem possuir nenhum ativo, a empresa captou R$ 552 milhões na Bolsa de Valores de São Paulo, valor usado na compra das primeiras fazendas.

Eduardo Elsztain, dono da Cresud, com Cristina Kirchner. (Foto: Reprodução)

Inicialmente, a BrasilAgro era controlada por dois fundos de investimento baseados nos Estados Unidos: o Cape Town LLC, pertencente a Elie Horn, e o Tarpon Agro LLC, cujo acionista único era José Carlos Reis de Magalhães Neto, sócio-fundador do fundo Tarpon que, em 2013, comprou a BRF em sociedade com Abílio Diniz. Em 2010, a Cresud comprou a parte pertencente à Tarpon, passando a controlar 40,69% das ações da BrasilAgro.

Presidida pelo magnata argentino Eduardo Elsztain, a Cresud controla 764 mil hectares em terras na América do Sul e é dona da Irsa Inversiones y Representaciones S/A, maior operadora de shoppings da Argentina. Elsztain foi um dos precursores dos pools de siembra, ainda nos anos 1980. Em 1997, a Cresud se tornou a primeira empresa sul-americana a ter ações comercializadas na Bolsa de Valores de Nova York.

No Paraguai, a Cresud iniciou suas atividades em 2008 com a criação da Cresca S.A., em parceria com o grupo anglo-argentino Carlos Casado. O propósito era explorar comercialmente 142 mil hectares no distrito de Mariscal Estigarribia, departamento de Boquerón, preparando as terras para venda. Em 2013, com as restrições cambiais impostas pela então presidente argentina Cristina Kirchner, a Cresud vendeu sua participação na Cresca para sua controlada, BrasilAgro, que passou a administrar os investimentos de Elsztain no Paraguai.

República da Soja: propaganda da Syngenta no Paraguai. (Foto: Reprodução)

 

Em 2016, a BrasilAgro rompe a sociedade com a Carlos Casado S.A. e fica com 59.490 hectares decorrentes da divisão, onde iniciou o plantio de 2.265 hectares de soja e 1.814 hectares de milho, além da criação pecuária. Em abril do mesmo ano, a Secretaria do Meio Ambiente do Paraguai (Seam) concedeu licença ambiental para a conversão de 36 mil hectares em plantio.

Hoje pertencente à construtora espanhola SanJose, o Grupo Carlos Casado atua desde 1883 na região do Chaco, onde abocanhou quase 6 milhões de hectares em terras públicas após a Guerra do Paraguai. A série De Olho no Paraguai contou esta história aqui:No Século 19, Matte Larangeira teve 2 milhões de hectares no Paraguai“.

Ao lado da brasileira Yaguareté Porã S.A., a Carlos Casado S.A. é uma das empresas denunciadas por desmatamento ilegal em área habitada pelo povo indígena Ayoreo.

UNIDOS POR SOROS

A dobradinha Brasil-Argentina que resultou na criação da BrasilAgro foi propiciada pela intervenção do megainvestidor húngaro-americano George Soros, dono de um patrimônio de US$ 8 bilhõe – conforme a última lista de bilionários da revista Forbes.

Megaespeculador George Soros: 200 mil hectares no Brasil (Foto: Reprodução).

Eduardo Elsztain, dono da Cresud, trabalhou durante mais de dez anos operando os investimentos de Soros na Argentina através da Irsa, que tinha 27% das ações vinculadas ao Soros Fund Management LLC. Em 1993, Elsztain conheceu Elie Horn enquanto buscava parceiros para entrar no mercado imobiliário brasileiro. Da junção entre Irsa e Cyrela nasceu a Brazil Realty, primeira empresa brasileira no setor a ter ações negociadas no exterior.

As relações entre Elsztain e Soros azedaram nos anos 2000, quando o megaespeculador manipulou papéis da dívida externa argentina, enterrando o país na maior crise econômica de sua história. No entanto, a amizade com Elie Horn foi mantida, levando à criação da BrasilAgro em 2005.

Soros, por sua vez, tornou-se competidor da Cresud. Em 2002, juntou-se a outros investidores para formar a Adecoagro, que hoje controla mais de 200 mil hectares apenas no Brasil – em boa parte no Mato Grosso do Sul.

Um dos dirigentes da Adecoagro, Marcelo Vieira, preside a Sociedade Rural Brasileira (SRB), cuja sede fica no mesmo prédio da fundação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Entre 2009 e 2010, o Instituto FHC recebeu contribuições da Open Society Foundation, organização filantrópica fundada por Soros; em 2015 ambas organizaram conjuntamente um jantar com as presenças de Soros e FHC.

Em meio às disputas, BrasilAgro/Cresud e Adecoagro sabem unir esforços por um interesse comum. Como presidente da SRB, Marcelo Vieira é um dos principais defensores do Projeto de Lei nº 4.059/12, que prevê a liberação da aquisição de terras por estrangeiros no Brasil. O PL também é defendido pela BrasilAgro.

‘OS ALPHAVILLES DO AGRONEGÓCIO’

Investidores da BrasilAgro celebrando lançamento na Nasdaq. (Foto: Divulgação)

Para se destacar no mercado financeiro, as imobiliárias agrícolas cercaram-se de nomes de peso. André Guillaumon, CEO da BrasilAgro, foi diretor na Fertibrás S/A, fábrica de fertilizantes comprada em 2012 pela norueguesa Yara. Antes dele, a presidência da BrasilAgro ficou por oito anos nas mãos de Julio Toledo Piza. Ele é hoje membro do Conselho de Administração da Terra Santa Agro, ex-Vanguarda Agro, dona de 177 mil hectares no Mato Grosso. Entre 2007 e 2012, BrasilAgro e Vanguarda mantiveram uma joint venture para a exploração de algodão no oeste da Bahia.

O Conselho de Administração da BrasilAgro também conta com João de Almeida Sampaio Filho, atual secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo e proprietário de fazendas nos estados do Paraná, São Paulo e Mato Grosso. E com Isaac Selim Sutton, ex-coordenador do Comitê de Auditoria da Aracruz Celulose S/A. Em 2010, Sutton foi investigado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por uma operação com derivativos que, em 2008, levou a empresa a uma perda financeira de US$ 2,1 bilhões.

A BrasilAgro também já teve em suas fileiras os executivos do fundo de investimentos Tarpon, fundador da empresa junto à Cresud e Elie Horn. Pedro de Andrade Faria foi o primeiro diretor financeiro da BrasilAgro, coordenando as relações com investidores entre 2005 e 2007. Seu sucessor foi Carlos Aguiar Neto, que resumiu o modelo de negócios originado do mercado imobiliário da seguinte forma: “No fundo, nós fazemos os Alphavilles do agronegócio”.

Aguiar Neto despacha hoje como superintendente-executivo de agronegócios de Agronegócios do Banco Santander, coordenando uma carteira de R$ 38 bilhões para o agronegócio. Os bancos voltarão a ser tema da série no eixo As Empresas.

Pedro de Andrade Faria assumiu, em 2015, o cargo de CEO global da BRF, maior processadora de alimentos do Brasil. No dia 5 de março de 2018, ele foi preso pela Polícia Federal durante a terceira fase da Operação Carne Fraca, que apura fraudes praticadas por cinco laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura em conluio com executivos da empresa. O caso levou à União Europeia a suspender a importação de frangos da BRF.