Os “amigos de alma” Cartes e Messer, em viagem oficial à Israel. (Foto: Reprodução)

O doleiro brasileiro Dario Messer – a serviço, entre outros, do ex-governador fluminense Sérgio Cabral – esteve envolvido em três dos principais esquemas de corrupção das últimas décadas. Entre eles, a Operação Lava Jato. No Paraguai, tornou-se latifundiário e usou uma dúzia de empresas para lavagem de dinheiro. O caso retrata como a política – tema do penúltimo eixo da série De Olho no Paraguai – permeia a expansão agropecuária brasileira sobre terras paraguaias.

O pai de Dario, o imigrante polonês Mordko Izaak Messer, havia dado guarida a Horacio Cartes, presidente paraguaio até o último dia 15 de agosto, quando o dirigente colorado respondia a acusações de contrabando e evasão de divisas. A gratidão de Cartes pela família Messer foi reiterada publicamente. Em seu discurso de agradecimento ao receber o Prêmio Shalom 2016, no Congresso Mundial Judaico, em Buenos Aires, o presidente chamou Mordko de “segundo pai”. Anos antes, havia se referido a Dario como seu “irmão de alma” e o convidou para participar de uma missão diplomática em Israel, com as despesas pagas pelo governo.

A proximidade com o dono do Grupo Cartes facilitou a entrada de Dario Messer no Paraguai. Em 2011, o doleiro pediu autorização à 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro para cruzar a fronteira. Dois anos antes, teve a prisão decretada durante a Operação Sexta-Feira 13, acusado de participação em esquema de fraude na importação de insumos pelo Ministério da Saúde para o coquetel anti-HIV.

Dario Messer: 12 mil cabeças de gado no Chaco. (Foto: Reprodução/TV Globo)

Mesmo com a autorização negada e com sua mulher e sócia Rosane detida, Dario Messer usou sua rede de contatos no Paraguai para fundar a empresa Chai S.A. Seu sócio nesse empreendimento – e nos seguintes – era um primo de Horacio, Juan Pablo Jiménez Viveros Cartes.

Em 2014, com a deflagração da Operação Lava Jato, o doleiro mudou-se de vez para Hernandarias, município vizinho a Ciudad del Este e sede da Usina Binacional de Itaipu, onde obteve cidadania paraguaia. Após o pedido de extradição solicitado pela Justiça brasileira em maio de 2018, a Corte Suprema do Paraguai abriu processo para revogar sua naturalização. Nesse ínterim, Messer desapareceu. Foi declarado foragido e entrou para a lista da Interpol.

ASSASSINATO E INTERFERÊNCIA POLÍTICA

A investigação conduzida pela Polícia Federal brasileira revelou que Dario Messer usava os investimentos no Paraguai para lavagem de dinheiro. Seus negócios englobavam de sushi bars a empresas farmacêuticas, mas Messer confiava mesmo seu patrimônio na compra de terras.

Por meio da Chai S.A., o doleiro adquiriu 104 mil hectares no Paraguai. Na região Oriental, soja e eucalipto: 1.100 hectares no departamento de Paraguarí e outros 3 mil em San Pedro, de acordo com levantamento da pesquisadora Lorena Izá Pereira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Plantação de eucalipto da Chai S.A. em Paraguarí. (Foto: Lorena Izá Pereira)

No Chaco, ele investiu em pecuária: 99 mil hectares divididos entre Alto Paraguay e Boquerón, com 12 mil cabeças de gado declaradas. Em 2016, a empresa foi citada pelo Ministério Público paraguaio em um esquema de evasão fiscal em Ciudad del Este.

A compra das terras no Paraguai era mediada pelo brasileiro Newton Rodrigo Maran Salvatti. Desde os anos 1990 ele pula de um lado para o outro da fronteira, intermediando negócios imobiliários. A família Salvatti é natural de Foz de Iguaçu, onde administra o hotel San Martin Resort & Spa, mas é do outro lado do Rio Paraná que Newton coleciona terras – e empresas.

Em Ciudad del Este, 3.596 hectares sob controle da Forestal de Negocios S.A. Em Itakyry, outros mil hectares em nome da Agro KLM S.A. estão sob disputa com indígenas da etnia Awá Guarani. O “problema” foi relatado pelo próprio Salvatti em um comentário no site Notícias Agrícolas, dizendo-se preocupado com a migração de indígenas paraguaios para o Mato Grosso do Sul:

As operações da família iguaçuense no Paraguai envolvem outros conflitos fundiários. A Agro Fortuna S.A., principal empresa de Salvatti, possui 12 hectares na colônia Nueva Fortuna, em Hernandarias. A região tem sido palco de conflitos violentos entre fazendeiros e sem-terra, que protestam contra a expulsão de camponeses na região, uma das mais valorizadas no Paraguai.

Acusada de pulverização irregular de agrotóxicos, a Agro Fortuna voltou ao noticiário no último dia 15 de agosto, quando o tratorista brasileiro Antonio Missau Timbauva foi assassinado, com seis tiros, dentro da propriedade.

No mesmo distrito, os Salvatti possuem um silo graneleiro vizinho ao luxuoso Paraná Country Club, destino certo da aristocracia paraguaia. Foi ali que Dario Messer passou os primeiros quatro anos foragido, até que o pedido de extradição emitido no Brasil o obrigou a fugir.

Em 2017, Horacio Cartes intercedeu pessoalmente em favor do amigo quando vetou por decreto a criação de uma reserva natural em área florestal no Paraná Country, sobreposta a um imóvel da Matrix Realty S.A., sociedade entre Messer, Salvatti e o primo de Cartes.

Após o sumiço do sócio, em 8 de maio de 2018, Juan Pablo Cartes tentou cobrar dois cheques no Banco Nacional de Fomento em nome das empresas Chai S.A. e Matrix Realty, totalizando 2 bilhões de guaranis (equivalente a R$ 1,4 milhão). Um alerta foi emitido à gerência anticorrupção do banco, mas o primo do ex-presidente rapidamente abandonou a agência.

“DOLEIRO DOS DOLEIROS”

Terras no Paraguai eram usadas para lavagem de dinheiro. (Foto: Reprodução)

As dezenas de empresas fundadas no Paraguai atendiam a um objetivo mais amplo. Denunciado pelos doleiros Vinicius Claret – o Juca Bala – e Cláudio Barbosa, Dario Messer tornou-se o alvo principal da Operação Câmbio, Desligo, desdobramento da Lava Jato que apurava o esquema de lavagem de dinheiro montado em torno do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (MDB).

Messer era a mente por trás do quebra-cabeça financeiro criado para movimentar as enormes quantias de dinheiro geradas com as propinas pagas pelas empreiteiras a agentes públicos do Rio. Sob a batuta de Messer, a dupla Claret e Barbosa geria o sistema Bankdrop, que colhia informações de doleiros de todo Brasil. Ao todo, entre 2011 e 2017, foi movimentado o equivalente a US$ 1,6 bilhão, por meio de mais de 3 mil offshores instaladas em 52 países, entre eles o Paraguai.

Com a criação dessa rede de doleiros, Messer passou a controlar as duas pontas das operações de “dólar-cabo”, fornecendo dinheiro vivo para o pagamento de propinas no Brasil e operando as contas no exterior. O esquema lhe rendeu o apelido “doleiro dos doleiros”, dado pelo colega de profissão Alberto Youssef.

Após a denúncia do Ministério Público Federal e respectiva ordem de prisão, Dario Messer teve seus bens congelados no Brasil e no Paraguai. Ou melhor, parte deles. O procurador paraguaio René Fernández decretou o bloqueio de apenas 50% dos bens do “amigo de alma” de Cartes. Restaram-lhe US$ 25 milhões.

AMIZADES PENTACAMPEÃS

Povo Cinta Larga, vítima do contrabando de diamantes fomentado por Dario Messer. (Foto: Marcela Bonfim/Amazônia Real)

Em 1997, Dario Messer já era alvo da CPI dos Precatórios. Nos anos 2000, foi denunciado no escândalo do Banestado e no Mensalão. Ele atuava também no contrabando de pedras preciosas, extraídas de garimpos ilegais em terras indígenas, que movimentou mais de US$ 200 milhões. O caso tornou-se internacionalmente conhecido quando, em 2004, um grupo de guerreiros da etnia Cinta Larga matou 29 garimpeiros em Rondônia, após meses de conflito. A extração de diamantes na terra dos Cinta Larga continua e é alvo de um outro desdobramento da Lava-Jato, a Operação Crátons.

As denúncias não impediram que Dario Messer levasse uma dolce vita no Brasil. Colecionador de artes, o doleiro frequentava festas da alta sociedade carioca e se cercava de celebridades. Entre elas, o jogador de futebol pentacampeão Ronaldo Nazário, o Fenômeno. A amizade levou Messer a se tornar sócio, junto a dois empresários de Ronaldo, na boate R9, batizada em homenagem ao craque.

A ligação do doleiro com o pentacampeonato brasileiro pode não ter parado aí. Em 2013, em reportagem publicada pelo Jornal do Brasil, o jornalista Amaury Ribeiro Júnior apontou sua participação em um suposto esquema de sonegação fiscal da Rede Globo envolvendo os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002.