O empresário Evaldo Emílio de Araújo é um dos exemplos mais evidentes do efeito espelho que permeia a série De Olho no Paraguai. Dono de 30.558 hectares, ele figura na 4ª posição entre os brasileiros com maior quantidade de terras no Paraguai, conforme lista da Oxfam. Com investimentos em cana, soja e pecuária, ele é acusado de crimes ambientais nos dois países. Nos últimos anos, conflitos por terra ocasionaram cinco mortes dentro de sua propriedade.
A saga de Araújo em terras paraguaias começou em 1977. Morador de Araçatuba (SP), um dos principais polos sucroenergéticos do Brasil, ele viu no país vizinho a oportunidade de adquirir terras baratas e com alto potencial de valorização. Daquela incursão inicial, onde comprou com o sogro um imóvel de 26 mil hectares, o brasileiro ergueu um império.
Fundada em 2005, a Agroganadera Aguaray abarca dois distritos, em departamentos diferentes. A maior parte dela está em General Resquín, em San Pedro, mas outra porção considerável fica no distrito de Ypejhú, em Canindeyú. Essa parte já foi maior: em 2001, o Instituto Nacional de Desarrollo Rural y de la Tierra (Indert) adquiriu 4.910 hectares da Aguaray para criar a colônia Crescencio González. Anos depois, como veremos, os moradores desse assentamento enfrentaram problemas com o brasileiro.
A empresa de Evaldo Araújo vinha de uma longa disputa com os camponeses de General Resquín pela posse de uma área de 2.491 hectares. Em 2009, após denúncia da Comisión de Sintierras Aguaray, uma mensura judicial das terras vinculadas à empresa constatou que, dos 30.558 hectares ocupados, só 28.066 possuíam títulos de propriedade. Os 2.491 reclamados pelos camponeses eram excedente fiscal: terras públicas que deveriam voltar às mãos do Indert, o equivalente paraguaio do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O juiz do caso, porém, não declarou as terras como excedente fiscal, o que abriu caminho para a Aguaray entrar com um pedido de usucapião. Ele foi concedido de modo relâmpago, apenas sete meses após ser protocolado pela empresa, desconsiderando impeditivos legais. Em dezenove dias as terras estavam inscritas em nome de Araújo e o caso foi encerrado. O excedente concedido à Agroganadera Aguaray foi avaliado pelo Indert em US$ 15 milhões.
TERRA MANCHADA DE SANGUE
Os conflitos em General Resquín não começaram com a disputa pelo excedente fiscal. Em novembro de 1999, a propriedade de Evaldo Araújo foi ocupada por 300 camponeses ligados ao Movimento Campesino Paraguayo (MCP). Despejados pela polícia paraguaia, os ocupantes retornaram dois meses depois, na madrugada do dia 10 de janeiro de 2000. A repressão policial resultou em três mortes, com 14 pessoas feridas e 82 camponeses detidos.
Em 2007, mais um assassinato. Quatro moradores de um assentamento vizinho andavam pela propriedade da Aguaray, onde costumavam caçar. Surpreendidos por seguranças da empresa, correram levando os animais recém-abatidos. Os guardas abriram fogo. Os agricultores Cristino González e Pedro Antonio Vázquez Cáceres morreram na hora. Crescencio González, filho de Cristino, recebeu um tiro na mandíbula, mas sobreviveu. Seu irmão Juan Ramón, de 16 anos, escapou ileso.
Nos anos seguintes, o conflito pelas terras retrocedeu enquanto se desenrolava a batalha judicial pelos excedentes fiscais de Aguaray. Em outra frente, a tensão aumentava: a pulverização aérea de agrotóxicos, tema de outra reportagem no eixo Relatos de uma Guerra: “Fumigações ilegais de agrotóxicos são arma na guerra contra camponeses e indígenas“.
As fumigações feitas pela empresa de Evaldo Araújo vinham gerando preocupação nos assentamentos vizinhos. Especialmente em Crescencio González, onde as crianças Adela e Adelaida tinham falecido com sintomas que os camponeses associaram ao despejo de pesticidas. (O nome do assentamento, em terras compradas de Araújo pelo Indert, homenageia aquele adolescente baleado pelos seguranças.)
Após denúncias infrutíferas aos órgãos de fiscalização, os camponeses – vinculados à Federación Nacional Campesina (FNC) – resolveram impedir por conta própria o envenenamento. Em 22 de janeiro de 2014, o grupo bloqueou a estrada que dá acesso às plantações de soja. Imediatamente, a Policía Nacional foi acionada e, com 250 agentes, reprimiu a manifestação de forma violenta. Seis camponeses ficaram feridos em estado grave e um deles ficou cego do olho esquerdo, após ser atingido por uma bala de borracha.
O motivo da indignação dos moradores de Crescencio González foi confirmado pelo prefeito de General Resquín, Eugenio Rodas Riquelme. Ele informou que as fumigações estavam sendo realizadas à margem da lei ambiental paraguaia, que proíbe a pulverização quando a velocidade do vento ultrapassa 10 km/h ou quando a temperatura supera 32ºC, condições que favorecem a contaminação de áreas próximas.
Segundo a FNC, pelo menos 150 pessoas no assentamento apresentaram sintomas de intoxicação por agrotóxicos. Outra comunidade diretamente afetada pela ação da Agroganadera Aguaray, o assentamento Ara Verá, recebeu tratamento médico gratuito, patrocinado pela empresa, em parceria com a multinacional francesa Louis Dreyfus.
Ainda em 2014, o jornalista Pablo Medina, do jornal paraguaio ABC Color, foi assassinado ao lado de sua assistente, Antonia Almada. Os dois voltavam de uma apuração em Crescencio González. O crime foi encomendado pelo prefeito de Ypejhú, Vilmar Acosta Marques, que vinha sendo investigado por Medina por associação ao narcotráfico. Acosta foi preso no Brasil em março de 2015 e extraditado ao Paraguai.
DESMATAMENTO EM FAMÍLIA
No Brasil, Evaldo Emílio de Araújo é dono da Agropecuária Vale do Suiá Ltda (sem ligação com a empresa de mesmo nome pertencente ao clã dos Picciani, do Rio de Janeiro). Em sociedade com a esposa Eliana e com os filhos Fábio, Graziela, Emiliana e Caroline, ele administra fazendas de criação pecuária em São Félix do Araguaia (MT). À distância, assim como no Paraguai. O telefone de contato informado no cadastro da empresa junto à Receita Federal pertence a um número de Araçatuba.
Fundada em 1998, e recebedora de recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste, a Vale do Suiá esteve envolvida em diversas denúncias de crimes ambientais. Município localizado na Amazônia Legal, São Félix do Araguaia – próximo do Parque do Xingu, no nordeste do Mato Grosso – é figura carimbada na lista dos dez municípios que mais desmatam no estado.
Em 2008, foi aberto o primeiro inquérito civil contra a Fazenda Tarumã, controlada pela Vale do Suiá. Em 2011, a empresa recebeu autorização de desmate da Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso. Três anos depois, Araújo assinou um termo de ajustamento de conduta referente ao desmatamento em área de preservação permanente, ocorrido em 2012. O TAC estipulava que o infrator deveria aplicar R$ 5 mil por hectare para a recuperação da área degradada.
Não era a primeira vez. Em 2010, Araújo e a mulher assinaram termo semelhante para a recomposição de área desmatada em três fazendas situadas entre os municípios de Bom Jesus do Araguaia e Ribeirão Cascalheira. Mas a notícia parece não ter chegado na Assembleia Legislativa do Mato Grosso: em 2012, o empresário recebeu uma “moção de aplausos“, solicitada pelo deputado estadual Baiano Filho (MDB) por fazer parte do Consórcio de Eletrificação Rural, permitindo a passagem de rede elétrica por sua propriedade.
As filhas de Araújo herdaram o DNA do agronegócio. Graziela Araújo se casou com José Reis Pereira Filho, o Reizinho, membro de um clã de pecuaristas. O casal possui fazendas em Araçatuba e Guaraçaí, no interior de São Paulo. Os dois pertencem à Associação Nacional do Cavalo de Apartação e participam de rodeios como montadores profissionais. Caroline e o irmão Fábio são sócios na Fazenda Santa Helena, em Valparaíso (SP), dedicada ao plantio de cana de açúcar.
MAIS UMA VEZ, OS GUARANI KAYOWÁ
Outra filha do empresário, Emiliana Araújo Diniz Junqueira, é casada com Henrique Diniz Junqueira, um dos herdeiros da família quatrocentona, flagrada com latifúndios escravagistas. Junqueira é arrendatário do sogro na Fazenda Estrellita, que faz parte dos 30 mil hectares da Agroganadera Aguaray, no lado paraguaio.
O pai de Henrique, Roberto Diniz Junqueira Filho, era diretor-presidente das Usinas Mandu até a venda para o Grupo Tereos/Guarani em 2010, por R$ 345 milhões. O acordo permitiu à família obter uma reserva de mercado de 14 anos no suprimento de cana para suas antigas usinas.
Ela optou por abandonar a indústria e focar no mercado de terras, a partir da Bela Vista Agropecuária, com oito fazendas em São Paulo. Seis delas ficam em Guaíra (não confundir com o município paranaense), além de Orlândia e Barretos. Neste último município a empresa foi processada por queimar área preservada de Mata Atlântica.
O grupo também possui terras em Canápolis (MG), Redenção (PA) e Caarapó (MS). No Mato Grosso do Sul, os Diniz Junqueira são sócios de John Francis Walton nas Fazendas São José e Conchita Cuê, vizinhas de terra indígena Caarapó – local de um conhecido massacre, em 2016 – e palco recorrente de conflito com o povo Guarani Kayowá.
Henrique tem como irmão Gustavo Diniz Junqueira, conselheiro e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira. A entidade quase centenária foi uma das sementes da bancada ruralista, uma das principais organizações a convocar a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, e pioneira na articulação do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A ORIGEM NA CANA
Antes de comprar terras para pecuária e plantio de soja no Mato Grosso e Paraguai, Evaldo Emílio de Araújo já era latifundiário em São Paulo. A Fazenda Santa Helena, assim como a Agroganadera Aguaray, está espalhada pela divisa de dois municípios. A área foi alvo de um processo de imissão de posse pela prefeitura de Lavínia, mas ele foi indeferido, pois se descobriu que a propriedade ficava em Valparaíso.
Junto a Roberto Lorenzoni Filho e Alexandre Grendene (co-fundador da indústria de calçados que leva seu sobrenome), Araújo também controlava 50% das ações da Usina Benálcool, em Bento de Abreu (SP). Os outros 50% pertenciam ao Grupo JP, de José Pessoa de Queiroz Bisneto, representante de outra grande família de usineiros, com terras em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Sergipe.
Em 2008, o Parque Industrial Benálcool foi vendido à Cosan, parceira da Shell na Raízen, a maior multinacional do setor – por R$ 106,9 milhões.