No Amapá, latifúndio midiático coincide com poder político e agrário

In Bancada Ruralista, De Olho na Política, De Olho no Agronegócio, Em destaque, Principal, Últimas

De Olho nos Ruralistas comemora seus primeiros cinco anos de existência com retrospectiva por UF; observatório destacou as relações da família do senador Davi Alcolumbre (DEM) com a grilagem e a devastação; e mostrou ameaças aos povos tradicionais no estado

Por Leonardo Fuhrmann

Ex-presidente do Senado e atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), 44 anos, se tornou um nome forte da política nacional nos últimos anos. Grande parte desta ascensão aconteceu durante o governo Bolsonaro, quando o Executivo apoiou sua campanha vitoriosa para presidente do Senado. Ele influenciou na eleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na sua sucessão e ficou no comando da principal comissão do Senado.

O Amapá é o segundo estado do região Norte na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas. Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e depois o Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do NorteCeará , Piauí e Maranhão deram sequência. O Pará foi o primeiro da região Norte.

Com peso nacional, assim como o colega senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Alcolumbre luta para expandir seu poder político no estado, que, nas décadas anteriores, havia se tornado uma filial da oligarquia do ex-presidente José Sarney (MDB-MA). Em 2020, ele passou perto de eleger para a prefeitura de Macapá seu irmão e suplente, José Samuel Alcolumbre Tobelem, conhecido como Josiel Alcolumbre. Favorito durante boa parte da campanha, Josiel acabou derrotado no segundo turno. O próprio Davi já havia sido derrotado na eleição para governador dois anos antes.

Se a carreira política tem seus revezes, a trajetória econômica dos Alcolumbre é de crescimento exponencial. Como o De Olho nos Ruralistas mostrou, principalmente em reportagem publicada também no The Intercept Brasil, a família se tornou uma das mais ricas do estado, com negócios em diversos setores, inclusive concessões de rádio e TV. O próprio Josiel é dono da TV Amazônia Ltda, ou TV Macapá, retransmissora da Band em Macapá. Ele é um dos citados na reportagem: “Cinquenta e um candidatos a prefeito em 21 estados declaram possuir rádios e TVs“.

TIO RETRANSMITE O SBT; PRIMO DECLARA POSSE DE TERRAS PÚBLICAS

Josiel é só um exemplo do império midiático da família. As Organizações José Alcolumbre, pertencentes a seu tio, possuem uma TV homônima, que retransmite o SBT. A diferença é que essa leva o nome fantasia de TV Amazônia. Além dessas duas televisões, o grupo possui a TV Equinócio (antiga TV Marco Zero), retransmissora da Record, e duas rádios em Macapá, a 99 FM e a Jovem Pan News.

Davi Alcolumbre com Silvio Santos, no SBT, que seu tio retransmite no Amapá. (Imagem: Reprodução)

De Olho mostrou que, quando foi suplente da chapa emedebista Gilvam Borges ao Senado, o primo do senador, Salomão Alcolumbre Junior, conhecido como Salomãozinho, declarou posse de um terreno em terras públicas. O hábito parece ser hereditário. Nas duas vezes em que disputou o mesmo cargo, como suplente do ex-presidente José Sarney, Salomão, o pai de Junior, morto em 2011, declarou entre seus bens a posse de terras públicas. Outros políticos importantes do estado aparecem com seus nomes ligados a suspeitas de grilagem de terras.

A propriedade declarada por Salamãozinho está embargada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em função da devastação da flora, desde 2016. Pela devastação, o instituto aplicou uma multa de R$ 109 mil a Salomãozinho, que ainda não foi paga. O valor corresponde a 10% do total de multas que a família Alcolumbre recebeu nos últimos dez anos por descumprir a legislação ambiental, segundo dados do próprio Ibama. Essas multas somam mais de R$ 1 milhão.

AMEAÇAS E DESCASO MARCAM TRAJETÓRIA DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO ESTADO

Durante o apagão, o quilombola Sergio Clei de Almeida morreu eletrocutado. (Foto: Facebook)

Em seu primeiro ano de existência, em 2016, o observatório repercutiu uma medida controversa do então presidente da República: “Temer extingue Reserva Nacional de Cobre e põe terras indígenas do PA e AP em risco“. Após muita pressão, o golpista — antes vice-presidente de Dilma Rousseff — revogou o decreto.

Em dezembro de 2018, uma aeronave com cinco indígenas da etnia Tiriyó e dois Akuriyó desapareceu durante o voo. Dez dias depois, o caso tinha pequena repercussão na mídia e o governo federal pouco fez para a localização do avião. Em dado momento, a Força Aérea Brasileira (FAB) e o Exército deixaram a busca a cargo dos próprios indígenas e de garimpeiros. Até hoje, os indígenas e o piloto não foram localizados.

O descaso ficou evidente durante a pandemia de Covid-19. Em abril de 2020, os quilombos do estado estiveram entre os primeiros a registrar mortes de seus moradores. Em julho, Pará, Rio, Maranhão e Amapá concentravam 77% das mortes por Covid-19 em quilombos. O presidente da Associação dos Quilombos de São Francisco do Matapi, Sérgio Clei Almeida, de 50 anos, morreu eletrocutado durante o apagão que marcou o Amapá em 2020. Ele tentava restabelecer o fornecimento de energia na comunidade de Torrão do Matapi, em Macapá, quando recebeu uma descarga elétrica fatal.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas traz ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.

Leonardo Fuhrman é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/TripAdvisor): No Amapá, o poder agrário se confunde com poder midiático

LEIA MAIS:
De Olho nos Ruralistas faz cinco anos e multiplica projetos
Usina de ruralistas influentes, RS multiplica negacionismo político
Empresários e políticos de SC colecionam latifúndios na Amazônia Legal
Berço da Lava Jato e da Carne Fraca, Paraná é palco de conflitos históricos
A força da grana e da cana: São Paulo, o centro envergonhado do ruralismo
Lobistas do leite e do eucalipto, políticos protagonizam conflitos no campo em Minas
De Eike aos banqueiros, Rio de Janeiro concentra os “ruralistas celebridades”
Dos lobistas do café a Jair Renan, a face política do agronegócio capixaba
Bahia é microcosmo dos conflitos no campo no Brasil
Da Exxon a André Moura: Sergipe importa ameaça a pescadores e consagra baixo clero
A cana, o boi e as comunicações comandam a política em Alagoas
Usineiros e seus herdeiros protagonizam conflitos agrários em Pernambuco
Na Paraíba, camponeses resistem a bolsonaristas e seus familiares
Dinastias políticas potiguares se perpetuam no estado e no Planalto
No Ceará, indígenas e camponeses sofrem com pandemia, fome e exploração
No Piauí, a velha relação entre políticos e a grilagem de terras
Assassinatos, incêndios e envenenamento marcam conflitos no campo no Maranhão
Políticos e grandes empresas protagonizam violência e devastação no Pará

You may also read!

Conheça o terreno em Parelheiros onde Nunes tentou construir condomínio empresarial

Imobiliária do prefeito, a Topsul Empreendimentos, iniciou processo em imóvel na Estrada Ecoturística de Parelheiros; mata e casa cotada

Read More...

Imobiliária de Ricardo Nunes mostra conexão empresarial com parceiros da zona sul

Dono da Topsul Empreendimentos, prefeito e amigos maçons montaram empresa em nome de parentes; todos tinham conexão com Associação

Read More...

Green Village: o condomínio em Interlagos onde Ricardo Nunes e amigos fazem seu “banco imobiliário”

Maçons e empresários do ramo de imóveis, grupo do prefeito tem apartamentos no local e tentáculos na prefeitura, em

Read More...

Leave a reply:

Your email address will not be published.

Mobile Sliding Menu