Assassinatos, incêndios e envenenamento marcam conflitos no campo no Maranhão

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Em cinco anos, De Olho nos Ruralistas mostrou diversas histórias de violência contra indígenas, quilombolas e camponeses, no Cerrado, na Amazônia Legal e no litoral; nesse período, a bancada ruralista cresceu no estado, onde a mulher de Ciro Nogueira diz possuir uma ilha

Por Luís Indriunas

Nos últimos nove anos, aconteceram 1.685 conflitos agrários no Maranhão, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em trinta anos, foram mais de 140 homicídios e uma taxa de resolução baixíssima, de 5%, de acordo com a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e Agricultores Familiares (Fetaema).

Na Amazônia Legal, indígenas Gamela foram atacados por jagunços em Viana, em 2017. Entre 2019 e 2020, seis líderes foram mortos dentro da Terra Indígena Araribóia. No litoral, também neste ano, seis camponeses foram mortos em Arari, enquanto os quilombolas de Alcântara sofrem ameaças com o projeto do governo Bolsonaro com os Estados Unidos de ampliar a base espacial.

No Cerrado, em 2020, os quilombolas do Cocalinho tiveram que lutar contra incêndios vindos das fazendas de soja. No mesmo bioma, ruralistas despejaram veneno pelo céu atingindo e envenenando famílias de camponeses no início deste ano.

O Maranhão é alvo de exploração por políticos de outros estados: “Mulher de Ciro Nogueira, deputada Iracema Portella tem ilha em reserva extrativista no MA”. Casada com o atual ministro da Casa Civil, a deputada federal (PP-PI) declarou à Justiça Eleitoral ter uma ilha de 659,74 hectares no litoral. A Ilha de São Bernardo pertence à União, mas a parlamentar adquiriu de outra pessoa física a cessão de direito de uso. A ilha, no município de Água Doce do Maranhão, é um dos vértices da reserva extrativista marinha do Delta do Parnaíba, de 27 mil hectares, criada em 2000 durante o governo FHC.

O estado encerra a retrospectiva dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas relativa ao Nordeste. O texto anterior tratou exatamente do Piauí. Antes o observatório reuniu as principais informações divulgadas sobre as regiões Sudeste e Sul.

‘ESTADO ESTÁ VIRANDO UM BARRIL DE PÓLVORA’, DIZ PROMOTOR

O agravamento de uma conjuntura já instável no Maranhão levou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a publicar uma nota em 2021 na qual cobra providências do governador Flávio Dino, hoje no PSB, mas no PCdoB durante quase todo o mandato. “A aposta governamental no aumento do agronegócio tem relação direta com casos de grilagem e morte no campo”, afirma a organização.

Para o advogado Waldemir Soares Júnior, que atua em movimentos sociais, a blindagem da mídia e o jogo de interesses políticos contribuem para o crescimento da violência e da impunidade. “A gente acaba achando que é um estado pujante, que defende direitos humanos, mas é hoje onde mais se perseguem ativistas contra o agronegócio”, apontou em entrevista.

Protesto contra o avanço do latifúndio e o aumento da violência no Maranhão. (Foto: Fórum e Redes de Cidadania)

 

O promotor agrário do Ministério Público do Maranhão Haroldo Paiva de Brito afirma que há notícias frequentes do aumento de milícias em diversas regiões do interior do estado. “É bem volumoso mesmo, assustador, o Maranhão está virando barril de pólvora”, disse ao De Olho.

O advogado Sérgio Barros, que representa a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema) na região dos Cocais e do baixo sertão maranhense, revela que os fazendeiros têm cada vez mais feito “uso descarado da PM e da polícia civil para amedrontar lavradores no estado”. Barros diz que, “sem dúvida nenhuma” a milícia no campo do Maranhão cresceu nos primeiros anos do governo Jair Bolsonaro.

De Olho nos Ruralistas surgiu, como site, em setembro de 2016. Desde então, a bancada ruralista maranhense cresceu, com expoentes da nova geração como deputado federal André Fufuca, do Progressistas, o Fufuquinha, cujo pai já esteve na lista suja do trabalho escravo.

CHUVA DE AGROTÓXICOS E AMEAÇAS POR JAGUNÇOS ENCAPUZADOS

Falta de ar, tonturas, vômito, diarreia, febre, dor de cabeça, ardência no rosto, reações na pele e falta de apetite são algumas das reações relatadas pelos camponeses de Araçá, no município de Buriti, após a chuva de agrotóxicos despejada por fazendeiros vizinhos à comunidade. Em julho de 2021, o observatório detalhou a história de André Lucas, de 8 anos, que acumulava feridas que exalavam mau cheiro e deixaram o menino isolado e em depressão.

As mãos de André Lucas, vítima da chuva de agrotóxicos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sua mãe Antônia Peres de Oliveira, de 32 anos, junto com outros moradores, postou-se diante de dois tratores para tentar impedir o avanço da destruição. Além do veneno, os fazendeiros usam o correntão para destruir a vegetação nativa. Em resposta às denúncias, a Justiça do Maranhão proibiu o despejo aéreo de agrotóxico em Buriti e Araçá.

Ainda no primeiro semestre deste ano, no município vizinho de Brejo, mais violência: “Encapuzados, 22 jagunços invadem comunidade tradicional no Maranhão“. Eles destruíram cercas e tentaram entrar com trator nas áreas de roça da comunidade Gameleira e também de Cerrado nativo, onde 500 famílias extraem há 120 anos frutas como pequi, bacuri, bacaba e murici.

As famílias contaram que os homens estavam com armas escondidas e com spray de pimenta. Os camponeses denunciaram que os jagunços foram contratados pelo sojeiro Gilmar Lunelli de Freitas, proprietário da empresa Masul Agrícola, que há mais de vinte anos produz soja e ameaça expulsar famílias de diferentes comunidades de seu território na região. O fazendeiro foi indiciado por formação de milícia privada, desmatamento e esbulho possessório pela Polícia Civil.

Além da ameaça direta, os maranhenses sofrem com os incêndios provocados pelo agronegócio. Em setembro de 2020, chamas, iniciadas em uma fazenda arrendada pela Suzano Papel e Celulose, atingiram o quilombo Cocalinho, no município de Parnarama, no Maranhão.

Os próprios moradores realizaram mutirões para impedir que o fogo se aproxime das casas e roçados, usando baldes de água, lençóis e terra. Eles se revezaram em turnos de 25 pessoas, em uma tentativa de salvar os pelo menos cem roçados cultivados pela comunidade. Foram cerca de duas semanas de vigília.

NO LITORAL, QUILOMBOLAS LUTAM PELO TERRITÓRIO EM ALCÂNTARA

As ameaças contra os quilombolas de Alcântara foram constantes durante os últimos cinco anos por causa da intenção de ampliar a base espacial localizada no litoral maranhense. Em junho de 2019, o observatório mostrou que um ofício escrito em maio, acerca do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) firmado entre os Estados Unidos e o Brasil para utilização do Centro Espacial de Alcântara (CEA), tinha sido assinado pelo então ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva.

Ele deixava claro que, se necessário, a população quilombola que habita a área seria removida para outro local. A informação contradiz o que o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmara dias antes, em  15 de abril, durante seminário realizado em São Luís. O Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara afirmou não ter sido convidado para o seminário.

Em Alcântara, práticas agrícolas reconhecidas como patrimônio da humanidade. (Fotos: Claudia Marreiros/De Olho nos Ruralistas)

 

Durante as eleições de 2018, o observatório mostrou que os candidatos não debateram a expansão da base de Alcântara e suas ameaças. Este ano, o De Olho na Resistência, programa jornalístico semanal sobre os povos do campo, noticiou que, a partir da mobilização do movimento negro e quilombola, o Senado reprovou os investimentos dos Estados Unidos na base de Alcântara.

INDÍGENAS LIDERAM MORTES POR CONFLITOS NO CAMPO NO ESTADO

Celia Xakriabá protesta contra a morte de Paulo Paulino Guajajara. (Foto: Divulgação)

De 2009 a 2019, o estado com mais mortes de indígenas no país por conflitos foi o Maranhão, somando 19 casos, segundo a CPT. No ano passado, o dado trouxe apreensão aos estudiosos do assunto. Dos nove indígenas mortos, sete eram considerados líderes em seus territórios.

Caso emblemático é de Paulo Paulino, da etnia Guajarara, morto a tiros em novembro de 2019 na Terra Indígena Arariboia. Ele era um dos guardiões da floresta, grupo de indígenas criado para fiscalizar a região; denunciava as invasões na mata e vivia sendo ameaçado.

Esse quadro de violência tem como apoiadores políticos e empresários estaduais. Um exemplo foi relatado pelo De Olho nos Ruralistas: em abril de 2017, dezenas de jagunços atacaram os indígenas Gamela com facões, paus e armas de fogo no povoado de Bahias, no município de Viana (MA). Dias antes, em entrevista a uma rádio, o deputado federal Aluisio Mendes Filho (PTN-MA) disse que haveria uma tragédia e chamou os Gamela de “pseudoindígenas” em entrevista a uma rádio. Mendes Filho foi guarda-costas de José Sarney quando ele era presidente do Senado.

AUMENTA A PARTICIPAÇÃO MARANHENSE DA FRENTE DA AGROPECUÁRIA

A bancada ruralista do Maranhão quase dobrou nos últimos cinco anos. Em 2018, eram apenas cinco dos 17 deputados: André Fufuca (PP), Cleber Verde (PRB), Hildo Rocha (MDB), Juscelino Filho (DEM) e Weverton Rocha (PDT). Weverton tornou-se senador. Os outros quatro se reelegeram e entraram mais quatro novos: Edilázio Júnior (PSD), Gil Cutrim (PDT), Júnior Lourenço (PL), e Marreca Filho (Patriotas).

Maior, a bancada ruralista maranhense tem uma característica comum também em outros estados como o Rio de Janeiro. A maioria é integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), mas não declara propriedade rural.
O mais rico deles, Gil Cutrim, declarou R$ 3.191.297,26 em 2018, um aumento de 3,5 vezes em relação à prestação de contas de 2008: R$ 901.761,62.

O clã Fufuca também tem histórico agrário. (Foto: Reprodução)

Cleber Verde é o segundo mais rico. Declarou R$ 2.904.707,86 em 2018, quase seis vezes os R$ 494.521,30 que declarou em 2006. O senador Weverton está em terceiro, com R$ 2.468.312,29, em 2018. O aumento de sua fortuna foi maior e mais rápido. Em 2010, ele tinha R$ 352.500,00, sete vezes menos.

Entre os poucos que declaram bens rurais está André Fufuca. Aos 29 anos, eleito deputado estadual em 2010, ele entrou na política pelas mãos do pai, Francisco Dantas Ribeiro Filho (MDB), o Fufuca original. André é o Fufuquinha. Ambos são donos de fazendas.

Prefeito de Alto Alegre do Pindaré, secretário de Minas e Energia durante o governo de Roseana Sarney, Ribeiro entrou na lista do trabalho escravo por causa da libertação de doze trabalhadores da Fazenda Piçarreira, em 2006. Voltou a ser processado em 2017. Naquele ano ele tinha investido R$ 79,8 mil na própria campanha para a Assembleia. Fufuca possui 1.500 hectares no município. Fufuca quadruplicou sua fortuna em apenas quatro anos, de R$ 160.693,20, em 2014, para R$,681.904,42 em 2018.

SENADOR PECUARISTA DÁ AVAL A PROJETO QUE EXTINGUE RESERVA LEGAL

Apesar de não ser integrante da FPA, o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) foi foco de reportagem do De Olho nos Ruralistas, ao apresentar parecer positivo em relação ao Projeto de Lei (PL) nº 2.362/2019, de autoria dos senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC), que propõe a extinção do capítulo do Código Florestal que obriga as propriedades rurais a manterem uma área de mata nativa.

Senador Roberto Rocha quer acabar com as reservas nas propriedades privadas. (Foto: Divulgação)

Eleito para o Senado em 2014, após ser vice-prefeito de São Luís, Rocha declarou ter participação em duas empresas agropecuárias, a LR Empreendimentos Agrícolas S/A e a Agropecuária São Luís S/A, ambas consideradas inaptas pela Receita Federal por omissão de declarações.

As empresas são herança do pai, o ex-governador maranhense Luís Alves Coelho Rocha, falecido em 2001. Seu pai, o ex-governador Luís Rocha, entrou para a história como um fervoroso defensor dos latifundiários no sul do estado.

Em 1985, diante do assassinato de dois camponeses durante um despejo forçado no município maranhense de Lago do Junco, o então governador, simpatizante da União Democrática Ruralista (UDR), acusou os padres da diocese de Bacabal de armar os camponeses e de incentivá-los a lutar contra os fazendeiros. A atitude, aliada à omissão do Estado em investigar os responsáveis, lhe custou a excomunhão da Igreja Católica, decretada em abril de 1986 pelo bispo de Bacabal, Dom Pascácio Rettler.

Companheiro do ex-governador na lista do trabalho escravo é o deputado estadual Carlinhos Florêncio (PCdoB-MA). Em 2016, fiscais do Ministério do Trabalho encontraram nove trabalhadores em situação de trabalho escravo em sua Fazenda Tremendal, em Parnarama (MA), com 4.295 hectares, carinhosamente chamada de Fazendinha. Em 2008, candidato a prefeito em Bacabal (MA) pelo PHS, Florêncio possuía R$ 1,3 milhão em bens. Seis anos depois, reeleito para a Assembleia Legislativa pelo PHS, seu patrimônio saltou para R$ 7,77 milhões.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.

|Luís Indriunas é editor do De Olho nos Ruralistas. |

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/Quilombo Cocalinho): incêndio no quilombo Cocalinho em fazenda que era arrendada pela Suzano Papel e Celulose

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