Maior estado do Brasil revelou o clã dos Pazuello e sua história de violência

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Reportagem sobre ex-ministro da Saúde foi um destaques recentes da cobertura do observatório; nos últimos cinco anos, De Olho nos Ruralistas acompanhou a movimento da política amazonense, do descaso com os indígenas a uma peculiar relação com a logística

Por Leonardo Fuhrmann

Apresentado como especialista em logística pelo presidente Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello ficou notabilizado em sua passagem no comando do Ministério da Saúde pelas trapalhadas, pela demora e por acusações de corrupção na compra de vacinas, evidenciadas pela CPI da Covid no Senado. Dois entre os episódios mais graves envolvem seu estado natal, o Amazonas: a falta de fornecimento de oxigênio para Manaus provocou o colapso da saúde do estado há um ano; depois, o desvio de vacinas do Amazonas para o Amapá, estado bem menos populoso.

O Amazonas é o terceiro estado da região Norte na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas. Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do NorteCeará , Piauí e Maranhão deram sequência. Da região Norte, o Pará e o Amapá já foram retratados.

Pazuello continua em alta com o presidente. Não à toa, foi o autor da frase “ele manda e eu obedeço”, dita em uma entrevista ao lado de Bolsonaro. O trecho está em vídeo da série De Olho no Genocídio, uma das principais iniciativas do observatório ao longo do ano: “Pazuello, o mentiroso“. Uma das mentiras aparece em destaque nesta reportagem: “Pazuello mentiu à CPI sobre distribuição de cloroquina para indígenas“.

Hoje secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE), Pazuello é cogitado para ser candidato nas eleições de 2022. As especulações eram de que ele seria candidato ao governo do Amazonas ou ao Senado. Hoje parece mais provável que dispute uma vaga na Câmara pelo Rio de Janeiro, seu estado de adoção.

De Olho mostrou que Pazuello descende de uma família que enriqueceu no Amazonas ao lado do chamado “Rei da Amazônia”. Os negócios passavam pelo comércio de peles e castanhas, petróleo, navegação e hipismo, os dois últimos ainda nas mãos da família.

IRMÃO DE PAZUELLO FOI ACUSADO DE ESTUPRO E TORTURA

Alberto Pazuello, irmão do ministro: a face oculta da família. (Foto: Reprodução)

Irmão e sócio do general, Alberto Pazuello foi acusado de participar nos anos 90 de “A Firma”, um grupo de extermínio que atuava em Manaus. Com a participação de policiais civis e militares e o apoio ou conivência de autoridades da segurança pública estadual, os primeiros esquadrões da morte surgiram durante a ditadura e foram precursores do que hoje muita gente chama de milícias. Em 1996, Alberto chegou a ser preso sob a acusação de porte de drogas e de armas, estupro, atentado violento ao pudor e cárcere privado. Era a segunda vez que ele era preso por cárcere privado de adolescentes.

As articulações da família Pazuello no Amazonas têm outros braços. Negacionista convicto, Eduardo Pazuello foi pego andando sem máscara pelo Manauara Shopping, administrada pela Aliansce Sonae, da multinacional canadense Brookfield Asset Management. Entre as empresas do grupo está a Tegra Incorporadora, que tem entre seus principais advogados Renata Pazuello Fernandes Wahmann, sobrinha e sócia do general em empresa de navegação e em postos de gasolina no Amazonas. Ela é filha de Elizabeth Pazuello, irmã de Eduardo. Entre 2003 e 2020, foi requerente ao lado do tio — e de várias outras pessoas da família — em um processo de inventário.

A contradição entre a boa vida dos donos do poder no estado e o sofrimento de povos originários e tradicionais foi tema de diversas reportagens publicadas pelo observatório ao longo destes cinco anos. Uma delas sobre empresários responsáveis por um cruzeiro de luxo clandestino, no ápice da pandemia de Covid-19, que expôs indígenas e povos tradicionais ao risco de contaminação pelo vírus ou a força de acusados de destruição ambiental na eleição municipal de 2018 em pleno Arco do Desmatamento.

NO ESTADO, BOLSONARISMO ENCONTRA ALIADOS FIÉIS E DE CIRCUNSTÂNCIAS

Em maio, em São Gabriel da Cachoeira, o presidente Jair Bolsonaro não se constrangeu em utilizar e se deixar fotografar com um cocar durante a inauguração de uma ponte de madeira. Ele também retirou a máscara para cumprimentar indígenas, no município com a maior concentração de etnias do país. Essa atitude de Bolsonaro não é nova e reverbera dentro do seu governo. Da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Teresa Cristina, ao ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, De Olho nos Ruralistas mostrou quem são os políticos adeptos do etnomarketing.

Bolsonaro em São Gabriel da Cachoeira: com cocar e sem máscara. (Foto: Marcos Corrêa/PR)

É comum na política o marketing que diz uma coisa, mas faz outra. Em 2019, mostramos que a Frente “em defesa” da Amazônia em nada defende a floresta. Criada naquele ano, ela trabalha por interesses próprios, numa pauta que inclui a mineração em terras indígenas. Coordenada pelo deputado governista Delegado Pablo Oliva (PSL-AM), a frente tinha 105 deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Mesmo os que aparentemente se opõem ao governo genocida de Bolsonaro, como o senador Osmar Aziz (PSD-AM), que presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, mostram que seus interesses pessoais não têm partido ou cor ideológica.

No relatório final da CPI, Bolsonaro é acusado de diversos crimes, que vão do charlatanismo aos crimes contra a humanidade. Como todo bom político do Centrão, Aziz (PSD-AM), membro da FPA, encontra pontos alinhados ao governo que ele evita acusar de genocida ou de promover extermínio de um povo ou etnia. O principal ponto comum entre senador e o presidente é a defesa da legalização dos cassinos. Em setembro de 2021, Aziz esteve com dois filhos do presidente, o senador Flávio e o deputado Eduardo, no evento que marcou a reabertura do turismo em Manaus, a convite do governador Wilson Lima (PSC), um bolsonarista de primeira ordem. Na ocasião, os três falaram sobre o interesse de investidores internacionais nos chamados resorts integrados.

Governador do estado por quatro vezes, Amazonino Mendes (PDT), é dono de empresas no setor logístico e está intimamente ligado à área, crucial para o agronegócio e a atividade madeireira. Em 2002, durante seu terceiro mandato como governador, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu processo para investigar a concorrência pública que concedeu o Porto de Manaus ao consórcio formado pela Estação Hidroviária do Amazonas S/A e pela Empresa de de Revitalização do Porto de Manaus S/A.

NA PANDEMIA, POVOS TRADICIONAIS SÃO RELEGADOS A SEGUNDO PLANO

Em junho de 2020, a comunidade Nova Esperança, na Terra Indígena Vale do Javari, ficou vazia após a confirmação de quatro agentes de saúde do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) contaminados pelo coronavírus dentro do território. Das 23 famílias da etnia Matsés (Mayoruna) que vivem no local, vinte delas saíram remando para se isolar no meio da floresta por medo de contágio. O Vale do Javari, no oeste do Amazonas, é considerado a maior região de indígenas isolados do mundo.

Suzane da Silva Pereira, da etnia Kokama, 15 anos, foi a primeira indígena a testar positivo para Covid-19. (Foto: Arquivo Pessoal)

Um mês antes, três líderes do povo Kokama assinavam uma nota pedindo socorro, diante da morte de nove integrantes da etnia por Covid-19. Eles se declararam indignados diante da negligência, descaso e omissão do poder público, nos três níveis: federal, estadual e municipal. E reclamaram que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, “insiste em fazer diferença entre o atendimento de parentes que vivem na cidade e os que estão na aldeia”. Foi uma adolescente dessa etnia, Suzane da Silva Pereira, a primeira indígena a testar positivo para Covid-19 no Brasil.

As ameaças surgem de outras formas. Ainda em maio, De Olho nos Ruralistas noticiava: “Polícia Federal em Tabatinga (AM) investiga culto religioso com 400 pessoas dentro de Terra Indígena“. A aglomeração aconteceu dentro da Terra Indígena Feijoal, em Benjamin Constant (AM), em 28 de março de 2020, com a presença de 400 pessoas de dentro e de fora da comunidade. O pastor da Igreja Mundial do Poder de Deus, responsável pelo culto, é um servidor indígena da Fundação Nacional do Índio (Funai). Da sua igreja, o pastor Valdemiro Santiago ofereceu feijão para a cura do coronavírus em vídeo no YouTube que foi retirado do ar. O local é território da etnia Tikuna, onde vivem cerca de 4.500 indígenas.

Em 31 de agosto de 2017, o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) pediu nova investigação sobre a possível chacina de pelo menos nove indígenas que viviam isolados na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas. Indígenas da etnia Kanamari apontavam um massacre de 9 a 18 membros da etnia Warikama Djapar, ocorrido em fevereiro daquele ano, que teria sido articulado por um fazendeiro conhecido na região como Louro.

EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL

A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas traz ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Assista ao vídeo do aniversário:

No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.

Leonardo Fuhrman é repórter do De Olho nos Ruralistas. |

Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/Sergio Lima-AFP): Eduardo Pazuello e sua família mantêm poder e influência no estado que colapsou durante a pandemia

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