De Olho nos Ruralistas acompanhou desde 2016 a perseguição violenta a movimentos sociais, sob as vistas grossas do governo, a redução de reservas ambientais, as ameaças a indígenas e a censura a livros, em um estado com governador e congressistas bolsonaristas
Por Leonardo Fuhrmann
O governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL), se elegeu em 2018 pendurado na campanha de Jair Bolsonaro. Diferentemente da maioria dos governadores, Rocha, um coronel da Polícia Militar, se manteve um aliado fiel do presidente durante todo o mandato. A parceria não fica clara apenas pelas visitas ao estado de Bolsonaro e seus filhos, notadamente o senador Flávio, e pelas reuniões do governador nos ministérios, em Brasília.
A afinidade entre ambos se confirma no projeto político em curso na região. Rondônia é o quinto estado da região Norte na retrospectiva de cinco anos do De Olho nos Ruralistas. Os primeiros foram os estados do Sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Depois foi a vez do Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os estados nordestinos da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte , Ceará , Piauí e Maranhão deram sequência. Da região Norte, Pará, Amapá, Amazonas, Roraima e Acre já foram retratados.
ATAQUES CONTRA A LIGA DOS CAMPONESES POBRES SÃO UM PROJETO NACIONAL
Um exemplo desse projeto político rondoniense é a violência cometida contra os movimentos sociais, como nas ações contra a Liga dos Camponeses Pobres (LCP). Este observatório tem acompanhado os episódios de violência, como o assassinato pelas forças policiais de cinco camponeses em quatro meses, neste ano, na região de Nova Mutum Paraná, dentro do município de Porto Velho.
Segundo os camponeses, os tiros foram disparados a partir de helicópteros. A Secretaria de Segurança Pública confirmou a presença de atiradores nas aeronaves: “Governo de Rondônia confirma presença de atirador em helicóptero, contra camponeses“.
De Olho esteve in loco na região em novembro. Uma das reportagens mostrou que a violência cotidiana não se resumia aos grandes episódios, como os assassinatos. Mostrou os depoimentos que falavam de agressões, humilhações, ameaças e constrangimentos contra homens, mulheres, idosos e crianças: “Fome, água imprópria, crianças coagidas e assassinatos: as armas da PM contra camponeses em RO“.
A reportagem acompanhou a retomada no acampamento Tiago dos Santos, depois dos constrangimentos que os camponeses sofreram durante o despejo, uma semana antes. Um cerco impedia os trabalhadores de entrarem no local com alimentos; os que foram retirados foram colocados em uma escola cuja água não estava própria para consumo.
Além das reportagens escritas, a retomada foi tema do De Olho na Resistência, programa semanal sobre os povos do campo:
PROCURADOR CONTESTA USO DA FORÇA NACIONAL
A ação contou com pleno apoio do governo federal, que chegou a enviar a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para apoiar a polícia estadual nos ataques aos camponeses. Como o De Olho mostrou em outro texto, o presidente usou diversas vezes o argumento de que a liga é uma “guerrilha terrorista” para justificar a violência contra os trabalhadores. Em entrevista ao observatório, o procurador da República Raphael Beviláqua afirmou que o argumento não só é falacioso como foi usado para o envio irregular da FNSP, uma vez que não seguiu os critérios de situação específica e intervenção pontual nem justificou a necessidade.
O constrangimento aos aliados da liga tem outros desdobramentos e conta com apoios dentro do Poder Judiciário. Em novembro, a advogada Lenir Correia Coelho, defensora da LCP, teve sua casa invadida por policiais civis para o cumprimento de um mandado de busca e apreensão. Em sua decisão, o juiz acusou a liga de ser uma “organização criminosa” e acusou a advogada de ser uma das líderes do grupo.
A política de extermínio fica clara com a omissão diante das balsas que fazem mineração em busca de ouro no Rio Madeira. Muitas delas em plena luz do dia e na região próxima do centro da capital. A atividade é feita com mercúrio, metal que contamina a água e traz riscos a plantas animais e os seres humanos.
O governo se mostra ausente em casos de grilagem de terra e na invasão de territórios indígenas, como o dos Karipuna e dos Uru Eu Wau Wau, e de áreas de preservação ambiental. Nem havia acabado o primeiro mês do governo Bolsonaro e o observatório apontava a tendência: “Início de ano tem oito terras indígenas sob ataque“.
A situação tensa de Rondônia já era grande, antes de Bolsonaro. No ano de estreia do De Olho nos Ruralistas, em 2016, foram apontadas 106 áreas de conflitos de terra no estado. Uma das consequências dessa realidade foi o assassinato de um casal integrante da LCP.
EM LINHA COM O BOLSONARISMO, GOVERNADOR CENSURA LIVROS
No caso dos parques e reservas estaduais, a atuação do governo estadual foi ainda mais grave. Rocha apresentou um projeto para redução de áreas de preservação, para resguardar a pecuária ilegal em suas áreas. O plano, aprovado pela Assembleia Legislativa e ainda sub judice, pretende retirar 153 mil dos 191 mil hectares da Reserva Extrativista Jaci-Paraná.
O obscurantismo também une Rocha e Bolsonaro. Em 2019, o governador suspendeu a obrigatoriedade de vacina para a febre aftosa, medida que foi contestada até por defensores do setor. Meses depois, a Secretaria de Educação de sua gestão mandou recolher livros. Entre os 43 títulos, 19 obras de Rubem Fonseca, uma de Franz Kafka, uma de Edgar Allan Poe, outra de Euclides da Cunha.
DEPUTADOS QUEREM ANISTIA DA GRILAGEM E EXPANSÃO DO PORTE DE ARMAS
O alinhamento com o bolsonarismo e o ruralismo se multiplica no Congresso. Depois de uma mobilização de ambientalistas, o Senado barrou o PL (Projeto de Lei) 510/2021, do Senador Irajá Abreu (PSD-TO), que trazia uma ampla anistia a invasores de terras públicas. Em uma manobra de última hora, porém, o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO) incluiu de volta no texto todas as propostas de Irajá.
Coordenador da Comissão de Direito de Propriedade da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Mosquini, que é integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), apensou o PL 1730/2021, de sua autoria, retomando praticamente inteiro o texto de Irajá. O texto acabou sendo aprovado em agosto na Câmara e seguiu para o Senado, onde está tramitando.
Outro representante de Rondônia, senador Marcos Rogério (DEM) é autor de um projeto de lei que considera toda a extensão de um imóvel rural como domicílio do proprietário ou do gerente. A mudança, aprovada no Senado e em discussão na Câmara, permite que os donos de terras usem armas em todo seu terreno sem a necessidade de se submeter às exigências para a obtenção do porte.
De Olho nos Ruralistas apontou que o senador tem 98,65 hectares no Vale do Jamari, em Rondônia, área onde há conflitos com indígenas, camponeses e áreas de proteção.
EM CINCO ANOS, OBSERVATÓRIO EXPÕE OS DONOS DO BRASIL
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas traz ainda várias peças de divulgação, visando a obtenção de mais 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Assista ao vídeo do aniversário:
No dia 14 de setembro, inauguramos a versão audiovisual da editoria De Olho na Resistência, que divulga informações sobre as iniciativas dos povos do campo e as alternativas propostas para o ambiente e a alimentação saudável. Você pode apoiar o observatório aqui.
| Leonardo Fuhrman é repórter do De Olho nos Ruralistas. |
Imagem principal (De Olho nos Ruralistas/LCP): governo de Rondônia usou força e intimidação nas reintegrações de posse contra a Liga dos Camponeses Pobres
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